A questão dos efeitos ambientais das plantações de eucalipto parece, hoje, tão indefinida quanto à própria origem dessas especulações. As polêmicas sobre a cultura sempre foram acirradas e há os que atribuem a ela a destruição das matas nativas, o empobrecimento do solo, o esgotamento da água a redução da biodiversidade animal e vegetal; além disso, reduz as oportunidades de trabalho na região onde é plantada, aumentando o êxodo rural. Do outro lado, há os que consideram o eucalipto como a única alternativa capaz de evitar a destruição dos remanescentes de mata nativa. Polêmicas à parte, é preciso que as questões emocionais dêem lugar a evidências científicas. Não se pode chegar a extremos, com críticas carregadas de emoção, infundadas e discriminadas que beiram ao ridículo, própria de leigos e curiosos no assunto. É preciso, antes de tudo, que se coloque em julgamento não a espécie em si, mas as técnicas utilizadas pelo homem para tirar proveitos sem conta e colher frutos e dividendos, dentro da brevidade possível.
Inúmeros questionamentos se fazem ao comportamento do eucalipto, em vários países. A sua natureza exótica causa arrepios naqueles nacionalistas eufóricos. Chegam, mesmo, a questionar sobre a existência de alguma espécie nativa que possa substituir a espécie “alienígena” ; outros, ainda, procuram relacionar o eucalipto e a Austrália, país de origem e muito seco, e forçando uma correlação entre a árvore e o meio. O eucalipto chegou à Europa em 1774 pela crença generalizada em seu poder milagroso contra a malária e outras doenças. Não se conhecia, à época, a etiologia da malária e o eucalipto cumpriu o seu papel “milagroso”, diminuindo os casos da doença, com a eliminação do encharcamento dos pântanos. Em 1871, ao contrário, a introdução do eucalipto no estado do Rio de Janeiro, no Brasil, coincidiu com um surto de febra amarela; não é preciso dizer que, em 1882, na cidade de Vassouras, todas as árvores de eucalipto foram arrancadas pelo povo como responsáveis pelo aparecimento da doença na cidade. Outro questionamento, por demais importante, é relacionado ao consumo de água, com a alegação de que a espécie é considerada “ressecadora de solo e precursora de desertos”.
Outro questionamento é quanto à sua possível influência sobre o solo, tanto do ponto de vista de proteção quanto das propriedades físicas, químicas, efeitos alelopáticos sobre a microflora e de seu esgotamento, em função da alta demanda de nutrientes pela cultura do eucalipto. Outro questionamento sobre o eucalipto é quanto à formação de monoculturas extensas, caracterizadas por apresentar baixa diversidade ecológica, resultando em instabilidade ou vulnerabilidade a mudanças climáticas ou ataque de doenças e pragas.
Não se pode perder de vista que o gênero Eucalyptus possui mais de 650 espécies, com genótipos adaptados às mais variadas condições de solo e clima. A existência dessa variação intra-específica em relação aos fatores ambientais já foi confirmada para uma série imensa de espécies, sendo extremamente difícil e temerário fazer generalizações.
Parte das críticas contra o eucalipto é conseqüência de expectativas frustradas, como resultado de programas malsucedidos de reflorestamento. Especificamente, no Brasil, as falhas ocorridas na implantação e manejo dos primeiros povoamentos contribuíram para a formação de florestas desuniformes e com baixa produtividade. Além do estresse fisiológico e abandono a que estavam submetidos, permitiu-se o desenvolvimento de pragas e doenças, além do surto de incêndios, resultando em desastres ecológicos, com grande repercussões. O insucesso dos reflorestamentos iniciais se deveu aos seguintes fatores:
a) inexistência de trabalhos específicos que norteassem o estabelecimento de novas florestas;
b) planejamento inadequado do uso da terra, com a utilização inadequada de áreas, da quantidade e qualidade de fertilizantes, manejo incorreto do solo, com a falta de uso de técnicas conservacionistas etc.
c) escolha inadequada de espécies/procedências, em razão do desconhecimento das espécies, inexistência de sementes melhoradas e de programas de melhoramento etc.
d).falhas na política, legislação e, principalmente, na fiscalização, permitindo-se a evasão de recursos, a substituição total da floresta natural pela plantada e o abandono de muitas propriedades após o segundo ano de plantio.
A despeito de muitos problemas com os reflorestamentos iniciais, a elevada demanda de matéria-prima florestal exige a implantação de monoculturas.
Por Que Uma Cultura Exótica
O conceito de espécie exótica não deve ter limites políticos, mas apenas e estritamente ecológicos e históricos. Toda espécie requer uma série de exigências quanto aos fatores do meio. Dentro do amplo espaço ecológico, existem espaços menores que apresentam algum fator de restrição ao completo desenvolvimento da espécie, assim como existem espaços menores que apresentam um conjunto de fatores ambientais que permitem o máximo aproveitamento pela espécie. As comunidades naturais não são estáticas e a introdução de espécies exóticas é bem aceita dentro do conceito moderno da ecologia evolucionária. Os cientistas afirmam que nem o estágio de clímax das florestas naturais é condição única para a existência de estabilidade e nem a atividade de reflorestamento com eucalipto representa uma atuação antrópica despropositada. Quando se comparam espécies agrícolas e florestais, há uma duplicidade de valores. As grandes culturas agrícolas do mundo são exóticas, sem quaisquer contestações, como é o caso de milho, trigo, arroz, batata, mandioca, café, cana-de-açúcar etc. Além do exotismo dessas culturas, não se contesta o seu impacto quanto à elevada demanda de nutrientes minerais e de irrigação, ao uso intensivo do solo, à perda de solo por erosão, ao uso de pesticidas, à adoção de monoculturas extensivas etc.
O Eucalipto Resseca O Solo
Qual seria o efeito da cultura de eucalipto sobre o funcionamento hidrológico? Qual seria o impacto da cultura sobre a disponibilidade de água no solo? É preciso se analisar que o fenômeno de ressecamento do solo poderia ser o resultado de uma diminuição cíclica das chuvas; poderia ser conseqüência da intensidade de uso do solo, do aumento da população e de áreas urbanizadas e industrializadas, do aumento do uso do fogo, do aumento das áreas de pastagem, fatores estes que, somados, conduzem a uma compactação e revestimento, com uma conseqüente gradual diminuição de infiltração de água no solo. Em condições tropicais, com a estação chuvosa bem concentrada em alguns meses do ano, o funcionamento hidrológico é, normalmente, mais vulnerável aos impactos resultantes das atividades do uso da terra. Com a diminuição da infiltração, a água de chuva tende a escoar superficialmente pelo terreno, diminuindo a recarga subterrânea.
O aumento da utilização dos reservatórios de água subterrânea para irrigação e abastecimento público pode contribuir para o abaixamento do lençol freático, diminuindo o fluxo das nascentes e dos cursos d’água, durante a estação seca. À medida que o efeito hidrológico foi ficando mais evidente, as plantações florestais foram se tornando alvo de críticas. Quando se analisa o balanço de água numa floresta, deve-se levar em consideração a interceptação, evaporação, transpiração e escoamento superficial da água. A maioria das críticas ao eucalipto é relativa à transpiração. Mesmo dentre as diferentes espécies do gênero Eucalyptus, existem diferenças marcantes. O Eucalyptus camaldulensis, espécie muito plantada no cerrado mineiro, onde a deficiência hídrica é elevada, apresenta uma transpiração muito baixa, quando comparada com E. urophylla e E. pellita. Alguns pseudocientistas chegaram a afirmar que o eucalipto poderia consumir até 360 litros de água por dia. Num espaçamento de 2 x 2 metros, isso eqüivaleria a uma evapotranspiração diária de 90 milímetros, o correspondente à cifra astronômica de 16.425 milímetros anuais. Por certo, tais valores são irreais e contrariam todas as bases científicas, levando-se em conta a quantidade normal de energia solar disponível para a evaporação da água, onde limite máximo de evapotranspiração anual é de 1.500 milímetros anuais e a ação dos estômatos que realiza efetivo controle biológico do processo de transpiração da planta.
Outras culturas, até mesmo anuais, como as agrícolas, demandam maior quantidade de água que o eucalipto, no período de máxima atividade vegetativa. Um dos maiores pesquisadores da área, Walter de Paula Lima, da ESALQ-USP, afirma que diferentes espécies florestais podem apresentar uma similaridade nas taxas de evapotranspiração total e relaciona inúmeros trabalhos internacionais que comprovam que o controle estomático da transpiração das espécies de eucalipto é muito semelhante ao de outras espécies florestais. Os valores absolutos de perdas por interceptação nas plantações de eucalipto são semelhantes e até menores que os observados em condições de floresta natural. Em função da alta taxa de crescimento, há uma conseqüente alta taxa de consumo de água, mas altos valores de eficiência de água do solo. Comparando-se a eficiência do uso da água, em termos de biomassa por quilo de água consumida, têm-se: Pongamia pinnata, 0,8; Prosopis juliflora,1,7; Albizzia lebbek, 1,7; Eucalyptus tereticornis, 1,9.
Comparando-se a eficiência do uso da água para algumas culturas agrícolas, tem-se, que para cada quilo de água, uma produção de 0,98 gramas de trigo, 0,5 grama de feijão, 1,8 gramas de açúcar, 1,08 grama de milho e 0,6 gramas de batata.
A alegada capacidade de crescimento em áreas encharcadas é muito restrita de algumas espécies, como o Eucalyptus robusta, E. camaldulensis e E. tereticornis. A quase totalidade das espécies não suportaria crescer em tais ambientes e, por certo, ali não sobreviveriam.
O Eucalipto Empobrece O Solo
Em função da alta taxa de crescimento, há uma conseqüente demanda de nutrientes do solo. Cabem aqui algumas perguntas: “Quanto de nutrientes a eucalipto retira do solo? Em termos comparáveis de produção de madeira, será que as plantações de eucalipto esgotariam as reservas de nutrientes do solo mais rápida ou exaustivamente que outra espécie vegetal?
Algumas espécies são afetadas mais severamente do que outras pela deficiência nutricional e é bem possível que essa adaptação a solos de baixa fertilidade pode significar uma capacidade de sobrevivência. Embora os solos da Austrália, onde os eucaliptos ocorrem naturalmente, sejam de baixa fertilidade não se deve entender que as espécies sejam menos exigentes em todas as circunstâncias; ao contrário, tais espécies sobrevivem em solos de baixa fertilidade, mas são bastante sensíveis à fertilização.
A influência dos métodos de manejo nos povoamentos florestais sobre a fertilidade do solo deve ser analisado separadamente para cada nutriente, em razão das diferenças nos processos relativos à ciclagem no ecossistema. É surpreendente a quantidade de nutrientes contidos nas folhas, ramos e casca das árvores de eucalipto. O eucalipto é mais eficiente do que as coníferas no processo relativo à ciclagem interna de nutrientes. Nos últimos anos, tem aumentado a preocupação com o manejo adequado dos resíduos de exploração. A queima, antes utilizada para limpeza do terreno, promovia grandes perdas de nutrientes por volatilização e lixiviação, devido à liberação de nutrientes em quantidade superior à capacidade do solo, durante a ausência de vegetação responsável pela fixação da biomassa. A queima, ainda, promove uma redução drástica da matéria orgânica no solo, muito importante nas propriedades físicas, como mantenedora da fauna do solo.
A idade em que as árvores de eucalipto são cortadas guarda bastante relação com a quantidade de nutrientes que podem ser removidos do solo. Por ocasião da formação do cerne, que ocorre normalmente a partir dos oito anos de idade, os nutrientes são, normalmente, translocados da madeira, onde o cerne deverá conter menos nutrientes que o alburno. Dessa forma, o corte de árvores mais jovens deverá remover mais nutrientes que as árvores mais velhas. Rotações muito curtas exigem mais do solo e não possibilitam o retorno de folhas, galhos, casca e restos florais que ajudam a manter a floresta. Estudos realizados mostram que os efeitos provocados pelos plantios de eucalipto não eram diferentes daqueles provocados pelas espécies nativas. Ademais, quando se procedeu à substituição de culturas, os solos , anteriormente ocupados com plantios de eucalipto, revelaram maior fertilidade do que outros solos ocupados com outras culturas.
As técnicas utilizadas no preparo do solo, bem como nas fases de implantação, manutenção e exploração são extremamente importantes na manutenção da fertilidade do solo, contendo processos erosivos, evitando cortes rasos e garantindo a sustentabilidade, através de seguidas rotações.
O Eucalipto Possui Efeito Alelopático
Uma das críticas ao eucalipto se relaciona ao seu possível efeito alelopático, criando no solo condições desfavoráveis ao crescimento de outras plantas ou restringindo o crescimento de certas culturas agrícolas pela proximidade da cultura de eucalipto. Algumas perguntas vêm-nos à mente: será que existe algum efeito inibitório real do extrato das folhas, da serapilheira ou das raízes do eucalipto? Será que o efeito inibitório do campo não seria conseqüência da forte competição por água, nutrientes, luz e outros fatores do meio? Quais estudos sobre a ocorrência e a diversidade do sub-bosque em plantios de eucalipto? Quais efeitos dos processos controladores de “matocompetição” no preparo do solo sobre as espécies existentes? Estudos mostram que a introdução de uma espécie pode causar alguma alteração na flora local, como resultado de modificações nas condições microbiológicas do solo. Os especialistas da área são unânimes em afirmar que os alegados efeitos de alelopatia em eucalipto são, em sua maioria, devido à competição por água e nutrientes, que se estabelece durante a fase de crescimento rápido.
O Eucalipto Reduz A Diversidade Animal
A quantidade e a diversidade de espécies animais que podem ser encontradas num dado ecossistema florestal dependem do número de nichos disponíveis do habitat. Nesse caso, seja de eucalipto ou de outra cultura, qualquer monocultura é reconhecidamente menos capaz de suportar uma alta diversidade de fauna. Em geral, as monoculturas podem reduzir seriamente a quantidade de energia e de nutrientes, assim como a disponibilidade temporária de abrigo. A redução da diversidade biótica altera a estrutura das cadeias tróficas em razão da modificação da alimentação, eliminando os predadores de grande importância e promovendo o desequilíbrio entre os diferentes componentes abióticos. Segundo os especialistas da área, uma plantação florestal, em si mesma, não é uma condição de completa ausência de fauna.
As condições de habitat da fauna podem ser melhoradas com práticas de manejo florestal adequadas, através de um mosaico de talhões de diferentes idades, desde áreas recentemente cortadas até povoamentos de diferentes idades e estrutura. Um dos problemas principais da interação produção de madeira – conservação de fauna é a exigência de certas espécies animais que requerem árvores adultas ou florestas maduras, como habitat adequado. A conservação da fauna envolve cinco estratégias de ação: a) existência de árvores adultas ao longo das plantações; b) aumento do período de rotação; c) retenção de reservas de florestas naturais sem perturbação; d) presença de algumas áreas abertas, sem plantio, uma vez que certas espécies dependem desse habitat para a sua procriação e e) construção de açudes e represas, bem como o plantio de árvores frutíferas ao longo da área.
No Brasil, a fauna foi bastante reduzida em função da elevada fragmentação das florestas e da intensidade da caça predatória. Algumas empresas, como a KLABIN, a CAF, a ARACRUZ e Vallourec Mannesmann têm adotado certas ações conservacionistas, com resultados bastante positivos para o diversidade da fauna. Além da proteção contra a caça, tais empresas preservam os ecossistemas naturais, interligando áreas de reserva permanente com áreas de efetivo plantio de eucalipto e diminuindo o tamanho dos talhões, intercalando-os com mosaicos de vegetação nativa. Já é possível encontrar nos plantios de eucalipto centenas de espécies de aves e mamíferos e milhares de espécies de insetos.
O Eucalipto Influencia O Balanço De Carbono Na Atmosfera
A produção de biomassa vegetal no Brasil goza de condições especiais, devido à situação tropical predominante, onde a radiação e a temperatura influenciam na taxa de fotossíntese e, consequentemente, na absorção do dióxido de carbono na atmosfera. O plantio de eucalipto permite a fixação de carbono no solo, possibilita ao usuário a obtenção de madeira, para fins energéticos, que substitui os combustíveis fósseis e mantém um ciclo fechado quando transforma a madeira em carvão vegetal para operações siderúrgicas, ou seja, libera dióxido de carbono para a atmosfera durante o processo de carbonização, mas fixa o elemento na fase florestal.
O eucalipto, como um gênero de inúmeras espécies, não deve ser julgado indiscriminadamente como um vilão da natureza. Caberão ao empresário florestal o discernimento e o bom senso na escolha correta das espécies, na adoção de técnicas corretas de implantação, manejo e exploração, bem como um respeito aos componentes naturais que garantem a sustentabilidade da produtividade florestal. Respeitando as regras mínimas de convivência com a natureza, o homem será capaz de obter lucros e garantir a sobrevivência, sem temores, das futuras gerações.
Setembro/2002
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