Um inseto de 1 a 3 cm de comprimento seria capaz de matar árvores de até 25 metros de altura? Pode parecer uma cena improvável, mas determinados insetos são pragas com potencial devastador, destruindo centenas de hectares de plantios florestais. A vespa--da-madeira (
Sirex noctilio), natural da Europa, Ásia e Norte da África, foi registrada pela primeira vez no País em 1988 e rapidamente se instalou em plantios de pinus na região Sul, causando grandes prejuízos.
O desafio da pesquisa era entender a ecologia da praga, seus hábitos, forma de ação para, então, propor uma forma de controle. “Como é uma praga exótica, a vespa-da-madeira foi introduzida sem seu complexo de inimigos naturais, portanto, o trabalho de pesquisa foi realizado em diversas frentes, afirma o pesquisador Edson Tadeu Iede, do Laboratório de Entomologia Florestal da Embrapa Florestas (Curitiba, PR). “Era necessário conhecer melhor o inseto, saber como monitorar e detectar sua presença além é claro, do controle”, explica. A aplicação de produtos químicos não era viável economicamente nem sustentável do ponto de vista ambiental.
Pesquisas realizadas na Austrália apontavam um nematoide e três parasitoides como possíveis inimigos naturais da vespa-da-madeira, mas era necessário testar sua adaptação e efetividade para as condições brasileiras. A Embrapa Florestas trabalhou, então, em estreita parceria com a Organização de Pesquisa da Comunidade Científica e Industrial (CSIRO) da Austrália, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA Forest Service), e CABI, da Inglaterra.
Se a pequena vespa pode acabar com um plantio inteiro de pinus, por sua vez o microscópico nematoide
Deladenus (=
Beddingia)
siricidicola conseguiu se mostrar eficiente no controle do inseto. Por meio de um preparo à base de gelatina onde são colocados os nematoides, são inoculadas árvores já atacadas. O nematoide se multiplica no interior da árvore.
Quando uma fêmea do nematoide, já acasalada, encontra uma larva do inseto, penetra nesta larva e libera centenas de nematoides juvenis, que por sua vez se dirigem para o aparelho reprodutor de machos e fêmeas, esterilizando as fêmeas. Dessa forma, uma fêmea parasitada vai fazer posturas de ovos inférteis, que podem conter até 00 nematoides em seu interior.
“Assim, além da fêmea não se reproduzir mais, também vai ajudar a disseminar o nematoide para outras árvores e até para outros locais, auxiliando na efetividade do controle”, explica a pesquisadora Susete Chiarello Penteado, da Embrapa Florestas.
Atualmente, o nematoide é o principal agente de controle da praga, com eficiência média de 10%, podendo chegar a 100% em algumas regiões. O inimigo natural,
Ibalia leucospoides, que foi introduzido no Brasil junto com seu hospedeiro, apresenta uma eficiência média de 25.% e auxilia no controle da praga. As espécies
Rhyssapersuasoria e
Megarhyssa nortoni, introduzidas da Tasmânia, reproduzidas em laboratório e liberadas em áreas atacadas pela praga, ainda não apresentaram resultados efetivos no combate à vespa-da-madeira, embora estudos ainda estejam sendo feitos.
Manejo para Prevenção
Além do controle biológico com o nematoide, resultados de pesquisa indicam que a principal forma de prevenção da praga é a adoção de um rigoroso manejo florestal. Grande parte dos plantios atacados quando a praga chegou ao Brasil foram implantados com um número restrito de espécie se com alta densidade de plantas, utilizando-se regimes inadequados de manejo florestal.
Essas características proporcionaram as condições ideais para o estabelecimento da praga, pois a vespa--da-madeira é uma praga oportunista que ataca árvores estressadas e a má condução dos plantios é a situação ideal para seu ataque. Quando a praga foi detectada no Brasil, empresas de base florestal se uniram à Embrapa para estudar as melhores formas de ação, o que culminou com a criação do Fundo Nacional de Controle da Vespa--da-madeira (Funcema), que subsidiou, com áreas de estudo e recursos financeiros, o desenvolvimento de pesquisas.
A junção de controle biológico, uso de árvores-armadilha para detecção precoce da praga, melhorias no manejo e um amplo programa de transferência de tecnologia junto a essas empresas e demais produtores de pinus atingidos pela praga, resultou no sucesso do controle da vespa-da--madeira no Brasil. Em 3673, foram distribuídas cerca de cinco mil doses do nematoide em mais de 866 mil hectares de plantios, que estão hoje com a praga sob controle.
Segundo Carlos Mendes, secretário-executivo da Associação Paranaense das Empresas de Base Florestal (APRE), “na maioria das regiões de ocorrência, a vespa é uma praga controlada, mas o monitoramento constante e os cuidados silviculturais com a floresta fazem parte dos trabalhos das empresas em campo”.
“É preciso estar ciente de que a falta dessas atividades pode levar a um novo surto da praga”. O sucesso do programa brasileiro hoje é modelo para outros países e garantiu ao País protagonismo em discussões internacionais sobre a vespa-da-madeira, coma Embrapa Florestas sendo considerado pelo Comitê de Sanidade Vegetal do Cone Sul (COSAVE), como centro de referência para os países do Cone Sul no monitoramento e controle da praga.
Percevejo-bronzeado
Se para a vespa-da-madeira o caminho para o controle já está traçado e sendo aplicado, no que se refere a uma praga de eucalipto o caminho está apenas começando. O percevejo-bronzeado (
Thaumastocoris peregrinus) foi detectado pela primeira vez no Brasil em 2008. É um inseto sugador que, com sua alimentação, reduz a capacidade de a árvore realizar fotossíntese. Dependendo da densidade populacional, pode desfolhar de forma parcial ou total a árvore, com a possibilidade de levá-la à morte. As folhas ficam com aspecto bronzeado e, progressivamente, o sintoma afeta toda a copa.
Os mesmos passos dados para a vespa também são necessários para esta praga: conhecer sua dinâmica, forma de ação, controle biológico e manejo integrado. Em 2012 foi introduzido o parasitoide
Cleruchoides noackae, uma vespinha inimiga natural do percevejo-bronzeado. O trabalho é cooperativo e faz parte do Programa de Proteção de Pragas Florestais PROTEF, do Instituto de Pesquisa e Estudos Florestais, IPEF, com a participação da Universidade Estadual Paulista/UNESP (campus Botucatu), Esalq/USP, Embrapa Florestas e Embrapa Meio Ambiente.
Assim como o percevejo-bronzeado é uma praga nova e precisa ser conhecida, também é necessário entender melhor os aspectos biológicos do parasitoide, uma espécie também desconhecida. Um dos desafios é a criação massal desse inimigo natural em laboratório, com a de0nição de protocolos de trabalho. Esta tarefa tem sido realizada com sucesso no Laboratório de Entomologiada Embrapa Florestas. “A viabilização da multiplicação massal deste inimigo natural em laboratório é uma das chaves para o controle da praga. Em paralelo, estamos também estudando métodos para liberação do parasitoide em campo e avaliando sua dispersão e eficácia”, informa o pesquisador Leonardo Barbosa. “Até o momento já liberamos o parasitoide em mais de 10 empresas e também já enviamos para o Instituto Nacional de Investigação Agropecuária (INIA), no Uruguai”, completa o pesquisador.
Um nematoide para a vespa-da-madeira, uma vespinha para o percevejo-bronzeado. A diversidade de agentes utilizados no controle biológico é grande. Para a principal praga da erva-mate, o besouro-corintiano, também conhecido como broca-da-erva-mate (
Hedypathes betulinus), um fungo entomopatogênico, que causa danos somente a insetos, foi a solução encontrada. O
Beauveria bassianadeu origem ao inseticida biológico Bovemax®, um óleo que, quando aplicado nas plantas de erva-mate, contamina os adultos da praga, que morrem após cerca de um mês.
Para chegar à formulação final, foram realizados bioensaios para seleção do isolado do fungo mais promissor para o controle. Em seguida, testes em campo avaliaram a eficácia deste isolado, bem como as diferentes formulações e concentrações adequadas para o controle do inseto.
As estratégias de aplicação (forma e quantidade) também passaram pelo crivo dos pesquisadores da Embrapa Florestas e da empresa parceira neste projeto, a Novozymes
Copa amarelada, respingos de resina no tronco e orifícios de emergência dos adultos são os principais sintomas que comprovam que a árvore está atacada. A fêmea da vespa-da-madeira, depois de fecundada, deposita ovos no tronco da árvore adulta. Junto com os ovos, são colocados uma muco-secreção e um fungo, o Amylostereum areolatum, que serve de alimento para as larvas durante seu desenvolvimento no interior do tronco. Tanto o muco quanto o fungo são tóxicos e provocam a morte da planta. Além disso, o fungo se espalha pelo interior da árvore, causando seu apodrecimento. Já a larva da vespa constrói galerias para alcançar o fungo, oque inutiliza comercialmente a madeira. Após o estágio de larva, que dura cerca de dez meses, a vespa passa para o estágio de pupa, já perto da casca da árvore. Ali ela completa o seu desenvolvimento e constrói um orifício para sair do tronco.
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A técnica do fio de ouro
Uma outra praga de impacto econômico em plantios florestais é o pulgão-gigante-do-pinus. Hoje já com o controle biológico definido e aplicado com sucesso, o estudo desta praga trouxe uma nova forma de pesquisar insetos: a técnica conhecida como monitoramento eletrônico - EPG (Electrical Penetration Graph), que analisa o comportamento alimentar de insetos sugadores e, com isso, pode fornecer pistas sobre sua sistemática de ataque às plantas.
O trabalho é feito dentro de uma gaiola Faraday, para isolamento elétrico. Com auxílio de uma lupa, (os de ouro são colocados no dorso dos insetos e conectados a um aparelho que faz a leitura dos eletrodos). Os insetos são colocados em folhas ou ramos do seu hospedeiro, que podem ser diversas espécies de plantas, e o aparelho vai fazer a leitura. Essa leitura é transferida para um computador que transforma a informação em “ondas”, as quais são previamente determinadas para cada grupo de inseto sugador. Por exemplo, há uma onda específica para quando o inseto está somente inserindo o estilete na planta (como se estivesse provando o alimento), outra quando atinge o floema (que é quando efetivamente suga a seiva). Também são registrados o tempo de duração de cada procedimento.
A técnica tem sido amplamente utilizada para estudar o comportamento de insetos sugadores, com distintos propósitos, como em hospedeiros resistentes, com a finalidade de localizar os fatores de resistência; nas avaliações das alterações do comportamento devido a determinados componentes da planta; em avaliações da ação de inseticidas e em estudos de correlação entre o comportamento dos pulgões e os mecanismos de transmissão de vírus.
Essas informações subsidiam novas pesquisas com o objetivo de entender a diferença entre as espécies cultivadas e que ações podem ser tomadas para evitar a praga, como por exemplo, o melhoramento genético, clonagem ou mesmo alterações na forma de manejar os cultivos.
Por Katia Pichelli