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(GERAL)
Cresce a profissionalização no agronegócio
Se tudo na vida tem um lado positivo, como preferem acreditar os otimistas inveterados, a crise de liquidez e renda que golpeia alguns segmentos da cadeia dos agronegócios do país também tem o seu, e ele está estampado na tendência de profissionalização do setor.

Apesar dos problemas enfrentados sobretudo em virtude do câmbio adverso à exportação - que deverão manter a receita agrícola das principais lavouras brasileiras abaixo de R$ 100 bilhões, ante quase R$ 120 bilhões em 2003 - , produtores, empresas, headhunters e especialistas concordam que o processo de melhoria de gestão no setor não foi abortado. Em alguns casos, afirmam, foi até intensificado.

Para as mesmas fontes, trata-se de um relevante sinal de amadurecimento do agronegócio em geral, que mesmo com alguns órgãos vitais doentes segue a investir em auditorias independentes, tecnologia da informação e, principalmente, recursos humanos - caminho aberto pelo "boom" puxado pela soja, no início desta década.

"A noção de crise está focalizada no curto prazo. No longo prazo, as perspectivas continuam positivas. Menos para os grãos e mais para açúcar e álcool, mas ainda assim positivas", afirma João Lins, sócio da área de consultoria da PricewaterhouseCoopers no Brasil. Ele lembra que a profissionalização da gestão dos negócios sempre foi evidente entre as grandes multinacionais que atuam no setor no país, mas que nos últimos anos outros elos desta cadeia avançaram e que a crise não deteve o processo.

Do ponto de vista do recrutamento de executivos, contudo, houve algumas mudanças importantes de perfil. Os líderes empreendedores, pioneiros e criativos, ideais para maximizar lucros, agora estão praticamente restritos à pujante área de açúcar e álcool, em alta em grande parte em razão da febre do etanol. Em ramos como grãos e insumos, a bola está com craques em finanças e análise de riscos, menos sujeitos a arroubos e mestres em driblar perdas.

No segmento sucroalcooleiro, a onda pelo empreendedorismo normalmente vem puxada pela profissionalização de antigos grupos familiares. É o caso de grupos como o Cosan, que abriu o capital em novembro de 2005 e fortaleceu sua posição como maior produtor individual de açúcar e álcool do mundo, e da Vale do Rosário, tradicional usina paulista que começa a pôr os pés nesta mesma estrada.

Esta doce profissionalização é incentivada pela maior participação de grupos estrangeiros e fundos de investimentos no segmento, em um movimento que também acontece na nascente indústria do biodiesel. E envolve gigantes como a Copersucar, cooperativa que reúne cerca de 30 usinas, e que recentemente viveu a experiência de ser presidida por um executivo do "mercado" - Cassio Domingues, que antes havia sido presidente da Cargill Fertilizantes.

"Esta profissionalização está em andamento. Nos próximos cinco anos, veremos o perfil dos executivos da área se transformar. As usinas se espelham no exemplo do setor de papel e celulose, que melhoraram seus processos, montaram operações fora do país e passaram a dar mais importância a fatores como custos e investimentos. As indústrias brasileiras de suco de laranja também foram nessa direção", diz Silvia Sigaud, sócia da Korn/Ferry International - companhia americana que ocupa papel de destaque no mercado mundial de recrutamento de executivos.

Segundo ela, os principais frigoríficos exportadores de carnes bovina, suína e de aves acompanham a tendência, atuam verticalizados, já são grandes exportadoras e estão preparados para a internacionalização - a Sadia já constrói, em parceria, fábrica na Rússia -, mas ainda precisam se posicionar melhor no conceito de multinacional.

É nesta área que hoje milita Ricardo Gonçalves, que depois de 31 anos na Nestlé, onde chegou à presidência da operação brasileira, e de dois anos como presidente da Parmalat do Brasil, assumiu a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (Abef). Em sua opinião, o agronegócio como um todo busca executivos mais preparados e capazes de conviver com as sazonalidades de suas atividades.

"Mesmo os chamados executivos 'desenvolvimentistas' têm de saber lidar com crises. Sem isso, estará em uma sinuca de bico", afirma Gonçalves - recentemente cotado para a presidência da Companhia Muller de Bebidas.

Nesse sentido, defende, associações de classe como a Abef também estão se fortalecendo. Veteranos dirigentes considerados patrimônios de alguns segmentos começam a ceder a cadeira para figuras proeminentes da cena nacional, como o ex-ministro Pratini de Morais, hoje presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), e o ex-secretário do Ministério da Agricultura Pedro de Camargo Neto, à frente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs). Já a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) recorreu a headhunters para compor sua diretoria.

Em busca de saídas para a sinuca, empresas visceralmente ligadas aos grãos, como a multinacional Bunge, ou muito dependentes deles, como as de fertilizantes, defensivos e máquinas agrícolas, estão reestruturando postos-chave. Paralelamente ao fechamento de mais de uma dezena de unidades processadoras de soja e fábricas de fertilizantes no Brasil, a Bunge fortaleceu o perfil "financeiro" de seu comando; as demais, com vendas em queda, acompanharam a trilha.

A Fosfertil, por exemplo, acaba de contratar para o cargo de diretor de administração, finanças e relações com o mercado o executivo Vital Jorge Lopes, ex-diretor financeiro da Bunge Fertilizantes. A própria Fosfertil, maior fabricante de matérias-primas para fertilizantes do país, trouxe para ocupar a presidência Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central e da Petrobras com passagem pela Morgan Stanley - Dean Witter e Latin America.

"Na área de insumos, muitas multinacionais de agroquímicos também estão mudando em função da crise", diz Jeffrey Abrahams, da recrutadora de executivos Abrahams & Associates. Nos elos doentes da cadeia do agronegócio, diz, estão mais valorizados os profissionais focados em produtividade, pró-ativos e resilientes, acostumados a magras margens de lucro e a trabalhar sob intensa pressão.

No setor de agronegócios em geral, escreveu Abrahams, "para se tornar rei é preciso mais do que uma juba e um bom diploma na mão". Tratam-se de segmentos complexos e que exigem acompanhamento de todo o processo produtivo, muitas vezes do campo ao varejo, onde fatores como colheita, armazenamento, logística e comercialização fazem diferença - e muita. Não por acaso o Grupo André Maggi, maior produtor individual de soja do mundo, mantém em sua sede em Rondonópolis (MT) dezenas de analistas financeiros - brasileiros com cursos no exterior ou estrangeiros especializados no Brasil.

Esta eficiente gestão foi inclusive explorada na vitoriosa campanha do presidente licenciado do grupo, Blairo Maggi, ao governo do Mato Grosso, considerado o principal "Estado agrícola" do país. Mas mesmo nas praças asfaltadas a imagem do agronegócio mudou e colaborou para atrair executivos de outros segmentos. Cassio Casseb, por exemplo, entre a presidência do Banco do Brasil e do Pão de Açúcar (seu cargo atual) esteve à frente da trading agrícola Coinbra-Dreyfus.

E esse movimento tende a crescer. "Ao contrário do que acontecia há alguns anos, hoje o setor confere visibilidade e reconhecimento no meio empresarial. É curioso porque o marasmo governamental em relação ao agronegócio é grande, e isso acaba exigindo mais dos executivos", afirma Ricardo Gonçalves.

Além de visibilidade e reconhecimento, o setor também começa a seduzir executivos de outras áreas da economia também pelos salários. "A remuneração depende muito da parte da cadeia que a empresa e o executivo estão. Na área de trading, a remuneração é quase a mesma oferecida por bancos de investimentos. Um gerente de usina hoje ganha tanto quanto qualquer gerente de outro setor. Quanto maior o risco, maior o salário", diz Silvia Sigaud, da Korn/Ferry. Em uma recente amostra colhida entre diretores e gerentes, João Lins, da PricewaterhouseCoopers constatou que a remuneração no agronegócio já é semelhante à de outros segmentos, com variações de 10% para mais ou para menos.

Fonte: Marisa Cauduro (Valor Online)

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