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(GERAL)
Florestas devem gerar créditos de carbono?
Cientistas descobriram recentemente que as árvores podem liberar grandes quantidades de metano na atmosfera. Agora, pesquisadores do mundo todo discutem se a descoberta pode afetar o mercado de carbono, que tem como uma de suas bases o seqüestro de carbono em florestas.

Uma reportagem publicada no site Ecosystem Marketplace (www.ecosystemmmarketplace.com) demonstra como o estudo realizado na Europa está modificando o entendimento sobre os serviços de ecossistemas florestais.

Desde que o jovem cientista alemão Keppler e seus colegas publicaram o estudo anunciando que, ao mesmo tempo em que absorvem o gás carbônico (causador do efeito estufa), as florestas podem emitir metano (gás que também contribui para aquecimento global), o mercado de carbono entrou em convulsão. Da floresta tropical do Brasil aos arranha-céus de Manhattan, cientistas, economistas e políticos estão ansiosos para dimensionar as conseqüências dessa possível novidade.

Alguns dizem que o resultado do estudo é uma puxada de tapete nas negociações de créditos de carbono por reflorestamento – sistema aprovado pelo MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto.

Os cientistas que publicaram o estudo na Nature em janeiro temem que a interpretação reforçada pela mídia possa ser exagerada. Outros questionam as conclusões da pesquisa, acrescentando que elas fogem um pouco da ciência que circunda as negociações de carbono.

Agora, menos de um mês após as 132 nações signatárias celebrarem o primeiro aniversário de execução legalmente obrigatória do Protocolo de Kyoto para reduzir a emissão de gases do efeito estufa gerada pelos homens, essa nova controvérsia inclui no debate um dos mecanismos do protocolo que permite a países e empresas comprar estoques em florestas novas ou restauradas para compensar o seus excessos de emissões com a queima de combustíveis fósseis como carvão ou óleo.

A notícia traz à tona um problema complexo: como se mensurar e monitorar os resultados de mercados ambientais. Com as mudanças constantes da ciência, especialmente nesse novo campo de serviços do ecossistema, os mercados precisam achar uma maneira de encontrar metas distintas, mas essenciais; como consistência regulatória, flexibilidade para acomodar avanços científicos e garantia de que eles respondam aos objetivos do ecossistema.

Sobre a descoberta da emissão de metano pelas florestas, em particular, e os mercados de ecossistema em geral, Todd Dawson, professor de biologia na Universidade Berkeley da Califórnia, resume a controvérsia: “Esta é uma nova idéia que levantará muitas sobrancelhas”, comenta. “A descoberta desafia a idéia de se usar as florestas como um lugar onde o carbono é apenas seqüestrado. Mas isso é ciência – é a descoberta de coisas novas”, completa.

Reviravolta na ciência - Dióxido de carbono (CO2), metano e outros gases armazenados na crosta da Terra aquecem o planeta desde a sua formação. Exalados na atmosfera por erupção de vulcões, apodrecimento de vegetais e decomposição de animais, esses gases criam o efeito estufa, um fenômeno natural que mantém a superfície do planeta aquecida a uma temperatura que permite uma convivência harmoniosa entre todos os organismos. O problema acontece quando a quantidade dos gases causadores do efeito estufa é emitida em excesso, acelerando o aquecimento global.

As crianças aprendem na escola que, pelo processo de fotossíntese, as plantas utilizam a luz do sol para absorver o CO2 – principal gás do efeito estufa – enquanto criam açúcar e oxigênio. Os vegetais fazem isso de maneira tão eficiente que as florestas sugam cerca de um terço das emissões humanas de carbono, de acordo com estudos recentes.

E, assim que os cientistas descobriam que a queima de combustíveis fósseis acelera perigosamente o efeito estufa natural, a plantação de mais florestas para absorver as crescentes emissões de carbono tem parecido uma solução lógica.

O mercado de negociações de carbono nasceu com o Protocolo de Kyoto justamente para tirar proveito dessa solução. O acordo incita indústrias e nações que excedem suas concessões de emissão de carbono a comprar créditos dos países em desenvolvimento, onde as novas florestas são plantadas.

À primeira vista, o relatório de Keppler parece gerar dúvidas sobre suposições subjacentes que apóiam esse mercado. Pelas medidas dele, a mesma floresta que absorve carbono pode, simultaneamente, emitir metano – segundo gás mais prejudicial ao clima do planeta, depois do CO2.

Essa afirmação causa uma grande reviravolta no entendimento científico. Os pesquisadores acreditavam que o metano era formado apenas em ambientes onde o oxigênio é escasso, como os pântanos ou aterros sanitários. Mas Keppler mediu o metano em câmaras isoladas com plantas vivas e desconcertou os cientistas ao informar que as plantas vivas podem contribuir com 10% a 30% das emissões globais de metano.

Para o químico atmosférico do Instituto Nacional, David Lowe, “isso significa que agora nós temos o espectro de que as novas florestas possam aumentar mais o aquecimento do efeito estufa pela emissão de metano do que diminuí-lo pela captura do CO2”.

Cientistas céticos - A teoria revolucionária de Keppler tem encontrado ceticismo na comunidade científica. De laboratórios na Califórnia a campos de estudos em florestas tropicais, os cientistas que dedicaram a carreia ao estudo do metano estão intrigados. Eles questionam se a descoberta de Keppler é precisa; especulando o impacto que ela terá sobre o mercado de negociações de carbono e tentando entender como poderiam ter ignorado uma fonte de metano tão importante.

“O processo é incrivelmente singular e cientificamente fascinante, mas a extrapolação (de que plantas produzem de 10 a 30% do metano que vai para a atmosfera) é um pouco difícil de engolir” - comenta o bioquímico da Universidade de Berkeley da Califórnia, Robert Rhow. “Isso exige mais estudos”.

Como os cientistas acreditavam que as emissões de metano eram provenientes apenas de fontes livres de oxigênio e não de plantas vivas, poucos antes de Keppler chegaram a medir as emissões desse gás pelas plantas. Mas quando Keppler e seus colegas detectaram metano em experiências com folhas mortas, decidiram investigar mais a fundo. Eles colocaram folhas frescas em frascos de vidros lacrados e purificados e plantas vivas em um compartimento de Blindex também purificado. Depois, eles transferiram o gás a cada 25 minutos em um sistema analítico. Em todas as vezes eles encontraram metano.

Coincidentemente, Michael Keller, cientista do Instituto de florestas tropicais U.S. Forest Service International, completou recentemente um estudo ainda não publicado que apresenta resultados com metano coerentes com os de Keppler. Mas Keller está cauteloso sobre as implicações desse estudo. “A constância de nossos resultados não prova que as emissões de metano vêm das plantas”, disse por telefone de São Paulo. “O metano poderia ter vindo de plantas vivas ou de fontes não-oxigenadas como cupins, plantas em decomposição ou sedimentos de terra que, como já sabemos, produzem metano. Será um desafio entender isso”, avalia.

Mas, e se a descoberta de Keppler estiver correta? Ela irá subverter o valor de uso das florestas como sumidouros de dióxido de carbono? A resposta é “não”, diz Keppler, seu co-autor e seus colegas cientistas que estudam os registros.

O cientista chefe da Defesa Ambiental de New York, Bill Chameides, coloca números nessa equação. “O aquecimento causado pela emissão de metano em uma floresta temperada nos Estados Unidos corresponde a somente de 1% a 10% do resfriamento alcançado com o seqüestro do dióxido de carbono”, explica.

Dessa maneira, as emissões de metano pelas plantas diminuiriam apenas levemente os benefícios conquistados pela habilidade que elas possuem de absorver carbono - completa Thomas Rockman, co-autor do estudo original. “Os benefícios climáticos do seqüestro de carbono pelo reflorestamento de longe ultrapassam o relativamente pequeno efeito negativo (da produção de metano)”, diz.

Ganhando tempo - Nos mercados ambientais em que as descobertas científicas podem transformar fundamentos econômicos e ambientais, a descoberta de Keller semeia incertezas em torno desse nosso campo de serviços de ecossistema. Alguns dizem que o trabalho dele oferece munição suficiente para se descartar todo o esquema de negociações de créditos de carbono com floretas. Mas outros acreditam que, enquanto novos passos vão sendo dados, o mercado de carbono já está com flexibilidade suficiente para acomodar o conhecimento crescente.

O cientista Dawson, da Universidade de Berkeley, fica entre os críticos. “Nós pensamos nas árvores de uma maneira estática”, ele diz. “O problema é que os sumidouros de carbono algumas vezes tomam uma direção positiva, de absorver carbono; e outras vezes, uma direção negativa, de emitir carbono”.

Esse tipo de risco, outros se opõem, não é razão para se abandonar o mercado. “O futuro da agricultura, por exemplo, é sempre incerto”, diz Chameides, “mas o mercado prospera apesar das dúvidas”. O que faz um mercado de sucesso, ele acrescenta, são os mecanismos desenvolvidos para explicar as incertezas. Partindo dessa perspectiva, o mercado de carbono já tem permissões para acomodar perdas e ganhos, como essa mais nova descoberta sobre as emissões de metano.

Outros mecanismos podem ser incorporados para manter o mercado suficientemente vivo para tirar vantagem de novas descobertas, diz Steve Pacala, da Universidade de Princeton. Primeiro, para aumentar a precisão das projeções, as nações deveriam elaborar inventários das florestas em que determinassem a absorção de gases do efeito estufa e a longevidade delas para o seqüestro de carbono. Então, para nutrir a confiança do investidor, esses inventários poderiam ser certificados nacionalmente. O espaço para as novas descobertas seria aberto com a renegociação dos certificados a cada 10 anos. E, para oferecer indenização aos investidores, os certificados estariam isentos das novas regulamentações durante o período de 10 anos do contrato. “Nós com certeza temos informações suficientes para iniciar”, Pacala diz. “O resto são apenas detalhes”

Apesar da confusão que o estudo de Keppler gerou, cientistas de todo o mundo parecem concordar com a avaliação de Pacala, reforçando que a chave é começar agora e ir refinado depois. “Nós devemos levar o efeito estufa muito a sério”, diz Keller. “O clima vai esquentar, o nível dos oceanos vai subir, e isso vai trazer muitas conseqüências para a vida das pessoas. É uma situação sem precedentes na história da nossa espécie.”

Para evitar um desastre, as emissões deverão baixar em 70% até o próximo século, diz Chameides – é uma meta gigante que as florestas novas e replantadas não podem alcançar. Isso significa que as novas tecnologias para seqüestrar carbono ou fornecer alternativa e as fontes de energias de combustíveis limpos deverão estar estabilizadas até a metade do século. Isso poderia gerar um novo mercado e uma fonte de renda que substituiria as negociações de carbono com florestas.

“Nós precisamos de uma ponte para chegar até lá”, diz Chameides. “As florestas representam essa ponte. Sim, elas são um ‘band aid’. Não resolvem o problema, mas nos dão tempo para que possamos resolvê-lo”.

(Sabrina Domingos/ CarbonoBrasil)

Fonte:

Jooble Neuvoo