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Notícias

10
mar
2025
(OPINIÃO)
Engenharia Florestal: A ciência por trás do manejo de florestas nativas

Há mais de 300 anos, o saxão Hans Carl von Carlowitz defendeu o uso sustentável das florestas, argumentando que o consumo de madeira deve respeitar os limites de produção e regeneração das áreas florestais. Em outras palavras, não se deve derrubar o estoque de árvores maduras da floresta até que se observe que há crescimento suficiente no local. Carlowitz baseia seus argumentos no interesse do “bem comum”, da comunidade e da "querida posteridade", ou seja, das gerações futuras, apresentando uma ideia claramente definida de sustentabilidade.

As florestas e biomas exigem a capacidade exata da visão do presente e do futuro em todas as ações que nelas efetua. A profissão de engenheiro florestal surgiu justamente com esse propósito: garantir que o uso dos recursos florestais seja sustentável. Afinal, a madeira e outros produtos florestais são essenciais para a humanidade, mas exigem tempo para serem produzidos. Com o crescimento populacional e a demanda crescente, é fundamental planejar atividades que sejam economicamente viáveis, socialmente justas e ambientalmente responsáveis.

No Brasil, o curso de Engenharia Florestal foi criado há 65 anos. No entanto, é importante esclarecer alguns aspectos sobre essa profissão: será que esse curso foi uma invenção nacional? A resposta é não. O curso já existia há décadas em países como Alemanha, Suécia, França, Estados Unidos. Na América do sul, Venezuela, Colômbia, Chile e Argentina também haviam implementado cursos de Engenharia Florestal muito antes do Brasil.

Mas por que criar um curso tão específico, não teria sentido a criação da Escola Nacional de Florestas pela União e dos cursos de Engenharia Florestal por algumas Universidades, para formar o Engenheiro Florestal? outras formações não poderiam cobrir essas necessidades? A resposta está na complexidade dos ecossistemas florestais. Recursos abundantes e ecossistemas florestais diferenciados, recomposição de florestas, técnicas de regeneração e plantio, manutenção de habitas, alternativas de uso do solo, previsões de produção em floresta, produtos não madeireiros oriundos da floresta, manutenção de florestas, necessidades econômicas, dentre outras variáveis heterogenias, clamavam, como clamaram antes na Europa, por alternativas técnicas e ciências que pudessem responder de forma organizada há estas questões que variavam de ambiental a econômica. A criação da Engenharia Florestal surgiu da necessidade de formar profissionais qualificados para enfrentar os desafios do setor florestal brasileiro. Essa iniciativa não apenas fortaleceu a formação de especialistas, mas também impulsionou a adoção de práticas sustentáveis e inovadoras no manejo dos recursos florestais.

Em que pese a legislação, de forma bem intencionada, tentar simplificar as normas para o manejo de florestas naturais (esse é o tema que abordaremos aqui), e isso é compreensível, continuam subjacentes as necessidades de conhecimentos técnico-científicos para elaboração e execução dos planos de manejo.

O engenheiro florestal é um gerente dos recursos florestais, desempenhando um papel essencial na conservação e no manejo sustentável das florestas, desse modo ele precisa saber o ambiente ideal para a regeneração natural de determinada espécies, e também se algum tratamento silvicultural adicional será necessário. Precisa saber planejar e calcular a rede ideal   de estradas, pátios e trilhas de arraste visando menor dano a floresta e com menor custo aplicando conhecimentos de exploração de impacto reduzido (EIR) e precisa de conhecimento sólidos de estratificação das diferentes tipologias e sub-tipologias, e sua combinação de espécies florestais para um melhor lançamento amostral estatístico, o qual não comprometa a regeneração da floresta quando explorada.

Além disso, o engenheiro florestal precisa saber identificar a qualidade, sanidade e potencial dos fustes a serem manejados e quais devem ficar como árvores matrizes ideais. Precisa estudar a capacidade de suporte da floresta a ser manejada e qual a intensidade de exploração que deve ser utilizada de maneira a que não ponha em risco a sustentabilidade da mesma. A floresta, e dentro dela, todas a suas espécies, possuem uma “faixa de variação ótima” na sua curva de desenvolvimento e formação. Retiradas que perturbem esta faixa de variação, implicarão no “ponto de não retorno” mencionado por especialistas e seguidamente mencionado na mídia.

O engenheiro florestal precisa saber monitorar a floresta em exploração. Para isso não são suficientes a correta instalação de parcelas permanentes, mas saber calcular sua intensidade ideal, e mais que isso, interpretar seus resultados a luz das informações das fases sucessionais da floresta. Quais classes diametricas merecem abertura para luminosidade? E para qual espécie? E em que intensidade? Como está a estrutura da floresta? Os ciclos de corte estarão adequados? Quando ela estará produtiva de novo? Já pode haver uma reentrada no talhão? Como pleitear isto junto aos órgãos ambientais? Quais medidas mitigadoras devem ser utilizadas no caso de impactos imprevistos?

Atualmente, há uma grande preocupação ambiental, e muitas profissões passaram a opinar sobre o meio ambiente de acordo com suas próprias visões de mundo, muitas vezes sem uma direção clara ou base técnica sólida. No entanto, é importante destacar que já existe uma formação específica e consolidada que permite trabalhar com as florestas naturais de forma produtiva e sustentável quando necessário. Grandes cientistas do passado, como Carlowitz, Hartig, Cotta, Liocourt, Brandis, Odum, Osmaston, Whitmore, Dawkins e, mais recentemente, Natalino Silva, entre outros, já haviam refletido sobre o uso sustentável das florestas naturais. Todo esse conhecimento acumulado está organizado e disponível no curso de Engenharia Florestal, que continua sendo a base para o manejo responsável e científico dos recursos florestais.

O engenheiro florestal precisa saber identificar as áreas de ocorrência principal das espécies e diferenciar das ocasionais e identificar o risco local de determinada espécie, se esse for o caso. Ele também precisa entender de modelos matemáticos de crescimento e volume de madeira, ajustar equações hipsométricas.  Combinar variáveis dendrométricas com ambientais.

Por outro lado sabemos, que todas estas preocupações não utilizam talvez até o momento, 20 ou 30% do aporte e estoque cientifico que a Engenharia Florestal possui. Mas ela possui!!! E ela está qualificada para enfrentar os novos desafios que surgirão quando das necessidades já em discussão sobre o aperfeiçoamento do manejo florestal se tornarem mais fortes. Manejo de precisão, manejo por espécie são novos desafios! A ciência florestal não para! Embrapa, INPA, faculdades, continuam apresentando sugestões de modernização do manejo florestal. Mais e mais especialistas com sólida formação em Ciência Florestal serão necessários. Novos protocolos de manejo florestal estão sendo desenvolvidos.

A Engenharia Florestal não é apenas uma profissão — é uma ciência. Ela se baseia em diversas disciplinas, entre as quais destacam-se: Entomologia Florestal, Anatomia da Madeira, Tecnologia da Madeira, Ecologia Florestal, Experimentação Florestal, Dendrologia, Tecnologia e Produção de Sementes Florestais, Dendrometria, Melhoramento Genético Florestal, Inventário Florestal, Métodos e Tratamentos Silviculturais, Silvicultura Tropical, Economia Florestal, Colheita, Transporte e Logística Florestal, além de outras que complementam o conhecimento necessário. Todas essas áreas convergem em uma disciplina que integra e aplica esses conhecimentos de forma prática e abrangente: o Manejo de Florestas Naturais.

O manejo florestal na Amazônia está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, nos objetivos 8 (trabalho decente e crescimento econômico), 12 (consumo e produção responsáveis), 13 (ação contra a mudança global do clima), 15 (vida terrestre) e 17 (parcerias e meios de implementação). É crucial promover um entendimento mais profundo sobre o manejo florestal sustentável e da cadeia produtiva da madeira de florestas nativas, considerando aspectos socioeconômicos e ecológicos. Reforçando práticas florestais sustentáveis e a inovação baseada na ciência e engenharia florestal são essenciais para proteger as florestas, gerar renda e mitigar as mudanças climáticas, integrando o uso dos recursos florestais com estratégias de conservação ambiental.

No Brasil, a Engenharia Florestal foi responsável por introduzir o manejo florestal sustentável, antes a exploração das florestas nativas era feita de maneira empírica, sem o suporte técnico necessário. O manejo florestal sustentável é, de fato, uma das poucas atividades de uso do solo que mantém a cobertura florestal enquanto gera renda a partir da floresta em pé. Essa prática é fundamental para conciliar a produção econômica com a conservação ambiental, garantindo a sustentabilidade dos recursos naturais.

É importante deixar claro que a silvicultura envolve uma série de atividades essenciais — como a produção de sementes, mudas, preparo da área e do solo para o plantio, controle de plantas invasoras, pragas e doenças, além do plantio, replantio, adubação e calagem, sempre com o devido acompanhamento técnico —, essas práticas não devem ser confundidas com o manejo de florestas nativas.

Agora, imagine o que acontece quando profissionais sem a qualificação adequada assumem essas tarefas. Os princípios da administração pública, como legalidade e eficiência são ignorados, projetos acabm mal elaborados, sem base científica sólida, e os danos materiais e ambientais são inevitáveis. No final, quem paga o preço é a floresta — e, por consequência, todos nós.

Reduzir o ensino da ciência florestal apenas à disciplina de Silvicultura é um erro grave. A Engenharia Florestal é muito mais ampla. Permitir que profissionais sem formação completa atuem no manejo de florestas nativas é como deixar alguém operar um paciente só porque leu um manual de cirurgia. Conhecimento técnico e científico não são opcionais — são fundamentais.

Sendo a Engenharia Florestal uma ciência, é impossível assimilar todo o conhecimento acumulado acerca desta ciência com apenas uma carga horária de 60, 75 ou 90 horas. Se fosse assim, em três, quatro ou cinco anos, o ser humano poderia dominar todas as ciências da humanidade e poderia exercer todas as profissões existentes no mundo. o que é claramente inviável e impossível de se conceber.

O conhecimento técnico e científico não é uma opção, mas uma necessidade. Transferir essa responsabilidade para quem não está preparado é, no mínimo, irresponsável. A ciência florestal não é apenas uma palavra bonita — é a base que sustenta práticas seguras, eficazes e sustentáveis. E quando se trata de florestas nativas, não há espaço para atalhos.

Cícero Ramos, engenheiro florestal e vice-presidente da Associação Mato-grossense dos Engenheiros Florestais-AMEF

Fonte: Cícero Ramos

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