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Iniciado há 24 anos, plantio de 300 hectares de Mata Atlântica pela SPVS uniu ciência e alta tecnologia, em um casamento que deu certo
Quem tem o privilégio de avistar a paisagem natural estonteante da Baía de Guaraqueçaba, não consegue imaginar que, há duas décadas, uma parte dos 6.900 hectares da Reserva Natural Papagaio-de-Cara-Roxa, de propriedade da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental) era coberta de pastos destinados à criação de búfalos. Essa história começou a ser modificada em meados de 1999, quando a instituição – que em novembro deste ano, completou 40 anos de vida e atuação em prol da conservação da biodiversidade – realizou uma captação de recursos em parceria com a The Nature Conservancy (TNC) para a realização de um projeto pioneiro de combate ao aquecimento global.
Ao longo dos primeiros anos do projeto, a SPVS adquiriu grandes fazendas na região norte do litoral paranaense e criou três reservas naturais, sendo duas em Antonina (Reserva Natural das Águas, Reserva Natural Guaricica) e uma em Guaraqueçaba (Reserva Natural Papagaio-de-Cara-Roxa), que, juntas, totalizam 19 mil hectares. Essas reservas, em grande parte, são classificadas como Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), provêm serviços ecossistêmicos importantes para a população, como fornecimento de água para Antonina e a comunidade da Ilha Rasa, geram recursos financeiros substanciais por meio do ICMS-Ecológico para as prefeituras, além de comporem um importante mosaico de unidades de conservação existente na região.
A iniciativa buscou promover a recuperação ecológica das fazendas, mas também transformou a vida de muitas pessoas, que, antes, se dedicavam a atividades como desmatamento, caça, corte de palmito e carvoaria, e passaram, com a chegada da SPVS no território, a ter empregos formais ligados à conservação da biodiversidade. Entre as atividades desenvolvidas nas Reservas Naturais da instituição, estão os esforços de restauração ecológica de mais de 1,5 mil hectares em um dos mais longevos e ininterruptos programas de restauração que se tem notícia no Brasil.
A restauração ecológica compreende a aplicação de um conjunto de técnicas que visa recompor as funções ecológicas de um determinado ecossistema para que se aproxime o máximo possível do seu estado original. Esse processo não é simples, pois envolve muitas etapas e pode levar décadas até que atinja um estágio adequado para a permanência de organismos mais exigentes, indo muito além do “simples” plantio de mudas.
No primeiro plano, Braquiária invasora nas áreas abertas; No segundo plano, uma floresta em estágio inicial que está sendo enriquecida e no terceiro plano, uma floresta em bom estágio de conservação. Foto: Ricardo Britez.
O projeto “Entre Mangues e Caranguejos”, que tem o apoio financeiro da iniciativa Floresta Viva por meio do Edital Manguezais do Brasil, e é gerido pelo FUNBIO (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade), com recursos destinados pela Petrobras e pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), é o novo esforço da SPVS para dar continuidade ao seu programa de restauração.
O projeto prevê ações de incremento da restauração ecológica em 316 hectares de áreas contíguas aos manguezais da Estação Ecológica de Guaraqueçaba, Unidade de Conservação sob gestão do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) NGI-Antonina/Guaraqueçaba, que sobrepõe parte da Reserva Natural Papagaio-de-Cara-Roxa. Estão previstas no projeto também ações de fortalecimento comunitário, monitoramento de espécies-chave, como o caranguejo-uçá, e a promoção de diálogos para melhoria da gestão dos manguezais na região, em parceria com órgãos públicos e a comunidade. O projeto conta com parceiros importantes para a realização desse trabalho multidisciplinar como: Associação Mar Brasil, UNESPAR, além do ICMBio.
O processo de restauração ecológica promovido pela SPVS une o conhecimento tradicional dos colaboradores de campo com a tecnologia que é utilizada para promover o plantio com a precisão que a instituição busca. Neste ponto, a iniciativa apresenta alto grau de inovação, garantindo a identificação e rastreabilidade por geolocalização de cada uma das 50 mil mudas a serem plantadas. As informações do campo são transmitidas por meio de tablets para uma plataforma online (Figura 1), permitindo o acompanhamento à distância do andamento dos trabalhos. Toda essa metodologia foi desenvolvida por um veterano na restauração ecológica no Brasil, o biólogo Ricardo Britez, que já trabalha há décadas em parceria com a SPVS.
Antes do plantio, a área foi sobrevoada por drone e percorrida a pé para coleta de solo e caracterização de cada tipo de vegetação. O sobrevoo por drone associado às análises em campo permitiu aos técnicos separarem a área em diversos polígonos. Cada fragmento do mapa representa uma situação ecológica distinta em que serão aplicados diferentes métodos e conjunto de espécies.
Mesmo após 25 anos da retirada dos búfalos, o capim invasor braquiária ainda persiste em cerca de 15% da área onde serão plantadas espécies de crescimento rápido. Nas demais áreas, que apresentam diferentes densidades de indivíduos arbóreos, serão utilizadas espécies encontradas apenas em áreas bem conservadas no intuito de enriquecer a flora local. Todo o processo será monitorado pelo projeto até 2027 com o uso da tecnologia desenvolvida pela instituição (Figura 4).
Além de garantir a conservação dos manguezais que estão na bacia de drenagem das áreas em processo de restauração, o intuito das ações neste local é fornecer, por exemplo, um ambiente mais acolhedor para o raro e exigente papagaio que dá nome à reserva natural. O papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis) é uma espécie endêmica do litoral paranaense e sul paulista e tem, nas imediações da reserva, uma de suas principais moradas. A SPVS mantém um bem-sucedido programa de conservação da espécie na Ilha Rasa, comunidade tradicional caiçara que fica próxima da reserva. O projeto já dura mais de 25 anos e atingiu resultados expressivos, como a recategorização do grau de ameaça da espécie de “vulnerável” para “quase ameaçado”, um fato muito raro no meio científico.
A instituição e parceiros vêm trabalhando também na iniciativa Grande Reserva Mata Atlântica (GRMA), um recorte territorial de 2,5 milhões de hectares que abriga o maior contínuo ainda em bom estado de conservação da Mata Atlântica, abrangendo porções dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. A GRMA conta com mais de 800 parceiros de diferentes segmentos da sociedade que buscam incorporar a conservação da biodiversidade em seus empreendimentos e iniciativas, mostrando que a “produção de natureza” também pode ser um bom negócio.
Essa, e outras ações da SPVS e parceiros no território da GRMA são fundamentais para garantir que pessoas e meio ambiente convivam em harmonia neste lugar tão especial. Somente com diálogo e compartilhamento de saberes será possível garantir que áreas naturais sejam bem conservadas e produzam água de qualidade, biodiversidade pulsante e belas paisagens para que todos possamos desfrutar desta belíssima região, que tem vocação para a produção sustentável de alimentos, conta com rica gastronomia e está em busca de desenvolver um turismo regenerativo, que pode, junto com a valorização das tradições locais, gerar bens e riquezas para todos que compartilham o território.
Rodrigo Condé
Engenheiro Florestal pela UFRRJ e Mestre pela UFPR. É especialista no uso de espécies nativas em sistemas agroflorestais e restauração florestal →
Fonte: oeco.org.br