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Florestas plantadas consorciadas com outras culturas agrícolas se mostram uma opção viável econômica e socialmente, além de ter na sustentabilidade seu maior trunfo
Arno Schneider cultiva 100 hectares de teca em sistema de consórcio e outros 100 hectares em sistema adensado. Sua fazenda está localizada na baixada cuiabana, a 50 km de Cuiabá, no município de Santo Antônio de Leverger. Na foto acima, o consórcio é com Panicum, cultivar Miyagui. (*Fotos: Divulgação)
Soluções sustentáveis e viáveis economicamente são bem-vindas. Para dar uma ideia da urgência do tema, 2023 foi o mais quente já registrado, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Com uma temperatura média global na superfície de 1,45°C acima do nível pré-industrial, o recorde negativo poderá ser superado por 2024, que já teve seu agosto mais quente de que há registro na história.
Um dos cientistas brasileiros mais reconhecidos mundialmente, Ph.D em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Carlos Nobre, aponta que as previsões são pessimistas: “Se as emissões dos gases do efeito estufa não forem rapidamente reduzidas, chegaremos a 2050 com um risco de aumento de temperatura de 2,5°, um grande risco para o mundo”, ressaltou, ao participar do evento “Sustentabilidade Brasil”, em junho de 2024, no Espírito Santo.
Diversos setores da economia se empenham em reduzir suas emissões de gases do efeito estufa, e as florestas oferecem uma solução milenar e poderosa: o sequestro de carbono. Enquanto fábricas e veículos liberam gases poluentes na atmosfera, as árvores os absorvem, transformando-os em biomassa e armazenando-os em troncos, raízes e folhas.
A solução vai além do reflorestamento convencional e abarca as áreas plantadas, também conhecidas como florestas comerciais ou industriais. “Elas desempenham papel crucial na mitigação das mudanças climáticas, atuando como sumidouros de carbono, absorvendo CO2 durante o processo de fotossíntese e armazenando-o na biomassa das árvores e no solo”, explica o engenheiro Magno Welsing.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), as florestas plantadas globalmente ocupam cerca de 294 milhões de hectares e são responsáveis pela captura de aproximadamente 2,1 gigatoneladas de CO2 por ano.
No Brasil, o setor de árvores cultivadas é bastante diversificado, ocupando cerca de 10 milhões de hectares. Espécies de rápido crescimento como eucalipto e pinus dominam a paisagem, destacando-se por sua capacidade de sequestrar carbono e atender à demanda por madeira para diversos fins.
Magno Welsing: florestas mitigam mudanças climáticas ao absorver e armazenar CO2.
Mas o poder econômico das florestas plantadas vai além dos seus troncos. Em meio às plantações de eucalipto que marcam a paisagem de Canguçu, no Rio Grande do Sul, a apicultora Tiele Winkel encontrou a fórmula para conciliar geração de renda e preservação ambiental. Com uma produção anual de 40 toneladas de mel, Tiele demonstra como a integração da apicultura com a silvicultura pode ser um modelo de negócio sustentável e promissor.
A história de Tiele com as abelhas começou na infância, ao lado dos pais. Após se formar em Ecologia, a apicultura se tornou mais do que um hobby familiar, mas um projeto de vida. Ao lado do marido, ela decidiu investir na atividade e logo percebeu o potencial das áreas de eucalipto.
“A produção decolou quando começamos a integrar a apicultura com a silvicultura, por volta de 2005”, explica Tiele. “As áreas de eucalipto oferecem um ambiente muito mais propício para as abelhas, com uma diversidade de flores que garante produção de mel de alta qualidade e em maior quantidade.”
A apicultora destaca que a degradação do bioma Pampa tem impactado diretamente na produção de mel em outras áreas. No entanto, as florestas plantadas, que normalmente são próximas às Áreas de Preservação Permanente (APPs), proporcionam habitat ideal para as abelhas, garantindo a diversidade de flora e, consequentemente, a variedade de sabores e cores do mel.
O mel de eucalipto, de cor clara e sabor suave, é o carro-chefe da produção de Tiele e o preferido por muitas empresas beneficiadoras. “Hoje, nossa renda vem exclusivamente do mel. A cada ano, renovamos o contrato de arrendamento da área e entregamos parte da produção como pagamento”, explica Tiele.
Relação positiva
De acordo com a publicação da Embrapa Florestas, “Eucaliptos e Abelhas”, dos autores Luis Fernando Wolff e Guilherme Schnell e Schuhli, é positiva a relação entre a silvicultura do eucalipto e a produção apícola no Brasil. A criação de abelhas, integrada ao plantio do eucalipto, gera importantes efeitos econômicos, ambientais e sociais que são fatores de relevância para o desenvolvimento regional, o agronegócio, o empreendedorismo e a inclusão social.
“Quando integrada aos plantios de eucaliptos, a polinização das abelhas atinge áreas vicinais, o que é especialmente relevante para áreas de cobertura vegetal com pouco valor apícola. As espécies e híbridos com precocidade de floração, maior quantidade e intensidade de fluxos de néctar ou concentração de açúcares, largo período de floração ou diferentes florações durante o ciclo anual de crescimento são de grande valor apícola e especial favorabilidade para a criação de abelhas”, informa a publicação.
A diversidade de espécies de eucalipto no Brasil permite floradas em várias épocas do ano, ou seja, um pasto apícola abundante inclusive em períodos em que outras fontes florais são escassas, como no outono e no inverno. “Apicultura e meliponicultura representam uma forma complementar de uso sustentável das florestas de eucalipto, compatível com as atividades florestais já consolidadas. Associados à produção florestal de eucalipto, tais sistemas de integração consolidam uma nova estratégia de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Tornam-se exemplo de uma racionalidade caracterizada pela sustentabilidade e pela inovação em manejo de agroecossistemas, aumentando o desempenho global do sistema de produção”, explica o estudo.
A nobreza das florestas plantadas
Se o eucalipto é uma espécie de rápido crescimento, com madeira leve e já bastante difundida em todo país, nos últimos anos, o cultivo de madeiras nobres, como mogno e cedro, também ganhou mais espaço, impulsionado pela alta valorização no mercado internacional e pelo potencial de gerar renda e promover a sustentabilidade ambiental.
“O cultivo de madeiras nobres apresenta um excelente potencial econômico. Espécies como o mogno brasileiro (Swietenia macrophylla), o mogno africano (Khayas) e o mogno asiático (Melia Azedarach) são altamente valorizados no mercado nacional e internacional, alcançando preços elevados devido à sua qualidade e durabilidade”, continua Welsing.
Para dar uma ideia, o mogno com alta qualidade pode atingir valores superiores a US$ 1.500 por metro cúbico de venda para madeira com maturidade e estabilidade, serrada e seca em estufa, tornando-se uma opção atraente para investidores e produtores.
“Além da rentabilidade, essas espécies contribuem para a conservação da biodiversidade e a proteção do solo e recursos hídricos. Projetos de reflorestamento com madeiras nobres podem ser desenvolvidos em monocultura adensada ou consorciada, integrados a sistemas agroflorestais, silvipastoris e outros arranjos, promovendo a sustentabilidade e a diversificação de renda para pequenos e médios produtores”, finaliza.
Consórcio agropastoril
O cultivo de florestas plantadas consorciadas com outras atividades rurais também é promissor, como mostra a experiência do proprietário da Fazenda Boqueirão, em Santo Antônio do Leverger, Mato Grosso, Arno Schneider, que é criador de gado, agrônomo e pioneiro no consórcio de pastagens com teca no Brasil.
A teca tem origem asiática e é uma madeira de alta qualidade e durabilidade, com valor de mercado considerável. É utilizada em diversas aplicações, como construção naval, fabricação de móveis finos e estruturas de alta resistência. Além do seu potencial econômico, a árvore apresenta um crescimento rápido, especialmente após os 25 anos de idade, conforme estudos da Embrapa.
Com experiência de mais de duas décadas cultivando a espécie e por meio de observação e ajustes constantes, Arno Schneider desenvolveu um sistema de plantio e manejo que otimiza a produção da madeira e a utilização da área para a criação de gado.
A implantação da teca é realizada no início do período chuvoso, em linhas espaçadas para permitir a passagem do sol e garantir a produtividade da pastagem. A escolha da espécie de gramínea também é crucial, optando-se por variedades mais resistentes ao sombreamento, como o Andropogon e o Panicum miyagui.
Com o passar dos anos, algumas árvores podem apresentar defeitos e precisam ser desbastadas, gerando uma renda adicional com a venda da lenha. A partir do 15º ano, as árvores em perfeito estado podem ser comercializadas, seja para o mercado interno ou para exportação. A teca brasileira tem sido exportada principalmente para a Índia, país de origem da espécie, e também para o mercado europeu, onde atinge preços elevados.
O cultivo de teca em sistema de consórcio com capim Andropogon é realizado na fazenda de Arno Schneider, situada na baixada cuiabana, a 50 km de Cuiabá, no município de Santo Antônio de Leverger (MT).
A experiência de Arno Schneider demonstra que o consórcio de pastagens com teca é uma atividade rentável e sustentável. Além de gerar renda com a venda da madeira, o sistema contribui para a conservação do solo, a proteção das nascentes e a melhoria da biodiversidade. O produtor destaca que os custos de implantação são rapidamente recuperados com as vendas intermediárias de lenha e com a comercialização das árvores maduras. Além disso, a teca, com seu potencial de sequestro de carbono e geração de renda, emerge como uma alternativa promissora para os produtores rurais e para o meio ambiente.
“No país inteiro, 1% da área cultivada é destinada à floresta, e esse número aumenta a cada ano. Impossível não considerar essa imensa área florestal como uma grande máquina sequestradora de CO2 da atmosfera. Além disso, cada metro cúbico de madeira cultivada utilizada em qualquer atividade, promove uma redução equivalente de danos à floresta nativa. Podemos afirmar que o setor florestal cultivado contribuiu enormemente com a preservação de nossas florestas nativas”, finaliza.
A observação é corroborada por Luiz Fernando Schettino, engenheiro florestal, mestre e doutor em Ciência Florestal, advogado e escritor, que acrescenta que a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), um sistema que combina atividades agrícolas, pecuárias e florestais na mesma área, abre diversas possibilidades de consórcios sustentáveis.
“A ILPF pode ajudar a evitar a erosão do solo, melhorar a proteção do solo, tornar mais amena a temperatura no local e, com isso, facilitar a manutenção de umidade e o desenvolvimento das plantas. Além disso, ela contribui para uma atividade agroflorestal com menores impactos socioambientais, maior produtividade e alta eficiência energética”.
Schettino salienta ainda que a recuperação de áreas degradadas e a criação de florestas plantadas representam uma oportunidade para o desenvolvimento de um novo modelo de negócio sustentável. Além de sequestrar carbono e gerar créditos ambientais, as florestas podem fornecer matéria-prima para a produção de biomateriais, substituindo gradativamente aqueles de origem fóssil. “Essa abordagem inovadora, que combina sustentabilidade e rentabilidade, atrai cada vez mais investidores interessados em soluções climáticas”.
O setor de árvores cultivadas, continua o engenheiro florestal, tem implementado historicamente várias iniciativas sociais para promover a resiliência climática e fortalecer as comunidades locais. “São projetos como a implantação de sistemas agroflorestais e de práticas sustentáveis, que são fundamentais na construção da sustentabilidade no meio rural e que levam a mais participação das comunidades e a mais inclusão social”, afirma.
Além disso, as florestas plantadas ajudam a retirar carbono da atmosfera, combatendo os efeitos das mudanças climáticas. “Elas também otimizam a gestão das propriedades rurais, por permitirem o aproveitamento de terras ociosas e improdutivas e de mão de obra excedente e, ainda, por se realizar com baixos investimentos, podendo possibilitar, de forma mais eficiente e rápida, a implantação de um modelo sustentável de uso da terra”, finaliza Schettino.
por Fernanda Zandonadi e Leandro Fidelis
Fonte: https://conexaosafra.com/