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06
mai
2024
(BIOENERGIA)
O momento do biometano: potenciais e desafios

Biometano emerge como chave para a transição, mas desafios logísticos e regulatórios são barreiras ao potencial de crescimento, avaliam Eduardo Dodsworth Tranjan, Alexandre Montoni e Gabriel de Andrade Cavalcanti

A transição energética é uma das questões definidoras do nosso tempo. E, embora ainda pairem incertezas sobre os contornos que ela irá tomar, também não há dúvidas de que países como o Brasil, dotados de ampla diversidade de recursos, devem explorar todas as alternativas à disposição para alcançar a economia de baixo carbono. Nesse cenário, o biometano desponta como principal contribuição do setor de gás natural.

Biometano é o produto da purificação do biogás, o qual, por sua vez, é o gás obtido pela decomposição biológica tanto dos resíduos urbanos oriundos dos aterros sanitários e estações de tratamento dos esgotos, quanto dos resíduos orgânicos agrossilvopastoris.

Por previsão das Resoluções nº 886 e 906/2022, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), todo biometano que atende às especificações se torna fungível com o gás natural, podendo ser injetado na malha de transporte e distribuição.

O biometano tem o potencial de alavancar o consumo de gás em áreas que não são atendidas por gasodutos de transporte de gás, a partir de soluções locais, tais como dutos dedicados e transporte de Gás Natural Comprimido (GNC) ou ao Gás Natural Liquefeito (GNL) em carretas.

Já existem plantas de biometano operacionais no país e, segundo as projeções feitas pela Associação Brasileira de Biogás (ABiogás), a atual capacidade produtiva de 1 milhão de m³/dia deve saltar para 7 milhões de m³/dia até 2029.

Do ponto de vista da demanda, o biometano representa uma solução cada vez mais procurada para cumprimento das metas de descarbonização, o que leva distribuidoras de gás canalizado e usuários livres a saírem em busca da molécula renovável.

Dentre as diversas iniciativas legislativas possíveis para impulsionar o biometano, está em debate o Projeto de Lei nº 528/2020 (também chamado de Projeto do Combustível do Futuro), cuja derradeira versão, já aprovada pela Câmara dos Deputados, dedica o seu capítulo quinto para as medidas e políticas de incentivo à produção e ao uso do biometano, dentre as quais se destaca a inclusão de um mandato para o biometano, objeto de comercialização, autoprodução e autoimportação, dentro das metas definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Desafios

Por outro lado, o biometano ainda tem gargalos que devem ser superados para que o potencial de crescimento mencionado acima seja concretizado. No aspecto operacional, a produção das plantas de biometano depende da disponibilidade da matéria orgânica para produção do biometano.

A disponibilidade da matéria orgânica, a depender do local e da natureza dos projetos, pode, por vezes, estar sujeita a sazonalidades, o que leva a esquemas próprios de programação e período de entrega do biometano.

Essas peculiaridades costumam gerar reflexos nas negociações dos contratos de fornecimento, onde vendedores pleiteiam flexibilidade nas entregas e nos compromissos contratuais de fornecimento (delivery-or-pay) a elas ligadas.

Os contratos de fornecimento de biometano são fundamentais para a captação dos recursos necessários à implementação dos projetos e, por conta disso, possuem prazos de vigência longos. Uma vez celebrados os contratos, é usual que os compradores tenham que esperar alguns anos até efetivamente receber o insumo, sobretudo quando as plantas de purificação estiverem em fase de construção.

Tendo isso em vista, offtakers buscam se proteger de riscos associados aos atrasos no cronograma das obras e ao descasamento dos preços de mercado.

Além disso, os aspectos relacionados à infraestrutura de escoamento do biometano podem demandar das partes soluções alternativas à injeção na rede e ao transporte pelo modal rodoviário, como, por exemplo, as operações de troca de biometano e gás natural (swap), já regulamentadas pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), por meio da Deliberação nº 1.105/2020.

A precificação do biometano, no entanto, continua sendo o maior desafio. O green premium deste energético o torna, em muitos casos, pouco competitivo em relação ao gás fóssil. É justamente nesse ponto que entram em consideração os mecanismos à disposição dos desenvolvedores para baratear a cadeia do biometano.

Nos últimos anos, foi viabilizada (i) a inclusão destes projetos no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), conforme previsto na Portaria Normativa nº 19/GM/MME/2021; e (ii) emissão de Créditos de Descarbonização (CBIOs), à luz da Resolução da ANP nº 802/2019.

Em março deste ano, o Governo Federal, ao regulamentar as debêntures de infraestrutura, inseriu a produção de biogás, exceto pela fase agrícola, como setor de caráter prioritário, o que confere a possibilidade de emissão do referido valor mobiliário (art. 4º, III, alínea “c”, do Decreto nº 11.964/2024). O emprego destes mecanismos pode, com toda certeza, alavancar ainda mais o biometano.

Por fim, os agentes do setor precisam ainda lidar com as lacunas regulatórias nas agências reguladoras estaduais e com as incertezas tributárias sobre a equiparação do biometano ao gás natural.

A indefinição sobre o tratamento que será dado ao biometano na regulamentação da reforma tributária (aprovada no final de 2023) dificulta o cálculo das margens de retorno e impacta na decisão de investimento de patrocinadores dos projetos.

O otimismo com um gás limpo e dotado de exponencial espaço de crescimento é mais do que justificado, porém não deve distrair-nos dos desafios que ainda precisam ser superados.

Em nossa experiência, a compreensão dos obstáculos dessa nova indústria facilita as tratativas entre as partes envolvidas nos negócios, que constroem soluções que atendam aos interesses mútuos.

O momento do biometano está cada vez mais próximo e, para transitar nele, os seus protagonistas deverão temperar o seu potencial com os desafios que ainda se colocam.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

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Eduardo Dodsworth Tranjan e Alexandre Montoni são sócios da área de Projetos e Gás Natural do Villemor Amaral Advogados. Gabriel de Andrade Cavalcanti é advogado da área no Villemor Amaral Advogados.

 

 

Fonte: https://epbr.com.br/o

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