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Notícias
22
nov
2005
(GERAL)
Desmatamento ilegal na Amazônia abastece siderúrgicas
Estudo do Ibama mostra que carvoarias ilegais fornecem carvão para produção de ferro-gusa, movimentando R$ 385 milhões em 5 anos
Siderúrgicas que produzem ferro-gusa no Pará e no Maranhão têm estimulado o desmatamento ilegal de remanescentes de floresta amazônica e de transição para alimentar seus fornos. De quebra, a informalidade cria condições insalubres de trabalho para os empregados das carvoarias. A reportagem do Estado encontrou, em um único dia, três carvoarias ilegais escondidas no interior da cidade de Rondon do Pará que, segundo os trabalhadores, fornecem carvão vegetal para empresas em Marabá (PA).
Nesta sexta-feira, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) divulga um relatório inédito que indica um déficit entre a quantidade de carvão necessária para manter a produção na região entre 2000 e 2004 - em franca expansão, voltada integralmente ao mercado internacional - e o que é declarado pelo setor. Ou seja: o carvão excedente vem de uma fonte não-oficial.
O documento analisou dados repassados por 12 siderúrgicas dos dois Estados integrantes do “pólo de Carajás”, que inclui as cidades de Marabá, Açailândia, Santa Inês e Macabeira, as três últimas no Maranhão. O ferro-gusa é produzido a partir do minério de ferro extraído pela Companhia Vale do Rio Doce em Carajás (PA) e é usado na produção de aço. Apenas uma empresa, a Terra Norte, mostrou um saldo positivo na utilização do carvão.
Nos anos analisados, as siderúrgicas paraenses utilizaram, em média, 5,3 milhões de metros cúbicos de carvão e as maranhenses, 2,4 milhões, equivalentes a 15,4 milhões de metros cúbicos de lenha (veja detalhes de 2004, o ano mais produtivo do período, no quadro ao lado). A ilegalidade, diz o Ibama, movimentou R$ 385 milhões.
Proposta de regularização
O relatório foi entregue à Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica), que vai analisar os dados e apresentar uma proposta para regularizar a situação. Apesar de a ilegalidade ser passível de multa, o diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel, afirma que a intenção principal é achar soluções para o setor. “Este é um ponto de partida para uma série de medidas e discussões com a indústria”, disse.
O vice-presidente da Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar), Claudio Monteiro, admite a existência de problemas socioambientais, mas afirma que o setor “não pode ser marginalizado”. “Empregamos, pagamos impostos. Há ações (de reparo) que têm de ser feitas sim e tanto os empresários quanto o governo estão trabalhando para acertar.” Segundo ele, a Cosipar não usa carvão ilegal. O mesmo foi dito pela Siderúrgica Marabá (Simara), por meio de sua Assessoria de Imprensa.
Ainda assim, em um domingo, a reportagem contou mais de 15 caminhões carregados que iam na direção de Marabá. Seguindo a fumaça que os fornos soltam, três carvoarias foram encontradas enquanto queimavam toras para abastecer a cidade.
Na primeira, havia mais de 80 fornos e um terreno preparado para receber pelo menos mais 15. Em média, cada forno produz 5 metros cúbicos de carvão por semana, em um processo de aquecimento e resfriamento feito artesanalmente pelos funcionários. Dois deles contaram, escondido dos colegas com medo de represália, que ganhavam R$ 300 por mês. Apesar da remuneração baixa, eles precisam comprar luvas e botas, que não são cedidas pelo dono do lugar, Edson Ferreira de Almeida, que mora no centro de Rondon do Pará. As carteiras de trabalho de ambos estavam retidas, prometidas apenas quando saíssem de lá. Os dois, que não quiseram divulgar seus nomes, vieram do Maranhão após o convite de “agentes” que buscam mão-de-obra barata e sem qualificação.
Más condições de trabalho
Em outra carvoaria, o gerente “Ciço” de Souza, conta que abastece as siderúrgicas de Marabá há cinco anos e admite que os trabalhadores - todos maranhenses - sofrem com más condições de trabalho, apesar de grupos móveis do Ministério do Trabalho visarem a região. “Dou minha cara a tapa se, depois que nossa história for divulgada, um caminhão não aparecer aqui à noite para juntar todos nós e levar embora.”
No caminho das carvoarias, diversos hectares do que antes era mata remanescente ardem. Após a retirada das árvores grandes e com valor econômico pelos madeireiros anos atrás, o que resta fica à mercê da produção ilegal do carvão. A área é primeiro queimada para limpar de cipós e animais - com freqüência, feito de forma irregular, o fogo se espalha e atinge matas vizinhas. Em seguida, entram as motosserras, que retiram praticamente todas as árvores que ainda ficaram em pé. O que sobra é terra negra e morta, sem qualquer organismo, macro ou micro, no solo.
Entre as árvores que caem estão as poucas castanheiras que sobraram da exploração madeireira. De alto valor comercial, porém ameaçada, seu corte é proibido - o que não tem impedido sua utilização como matéria-prima das carvoarias. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a indústria ilegal de carvão vegetal tem empregado assentados, inclusive crianças, em trabalho escravo, que se endividam quando aceitam material para a construção de fornos de atravessadores. “Este é um processo violento de aliciamento”, diz o advogado do CPT José Batista.
Cristina Amorim, enviada especial
Estadão
Siderúrgicas que produzem ferro-gusa no Pará e no Maranhão têm estimulado o desmatamento ilegal de remanescentes de floresta amazônica e de transição para alimentar seus fornos. De quebra, a informalidade cria condições insalubres de trabalho para os empregados das carvoarias. A reportagem do Estado encontrou, em um único dia, três carvoarias ilegais escondidas no interior da cidade de Rondon do Pará que, segundo os trabalhadores, fornecem carvão vegetal para empresas em Marabá (PA).
Nesta sexta-feira, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) divulga um relatório inédito que indica um déficit entre a quantidade de carvão necessária para manter a produção na região entre 2000 e 2004 - em franca expansão, voltada integralmente ao mercado internacional - e o que é declarado pelo setor. Ou seja: o carvão excedente vem de uma fonte não-oficial.
O documento analisou dados repassados por 12 siderúrgicas dos dois Estados integrantes do “pólo de Carajás”, que inclui as cidades de Marabá, Açailândia, Santa Inês e Macabeira, as três últimas no Maranhão. O ferro-gusa é produzido a partir do minério de ferro extraído pela Companhia Vale do Rio Doce em Carajás (PA) e é usado na produção de aço. Apenas uma empresa, a Terra Norte, mostrou um saldo positivo na utilização do carvão.
Nos anos analisados, as siderúrgicas paraenses utilizaram, em média, 5,3 milhões de metros cúbicos de carvão e as maranhenses, 2,4 milhões, equivalentes a 15,4 milhões de metros cúbicos de lenha (veja detalhes de 2004, o ano mais produtivo do período, no quadro ao lado). A ilegalidade, diz o Ibama, movimentou R$ 385 milhões.
Proposta de regularização
O relatório foi entregue à Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica), que vai analisar os dados e apresentar uma proposta para regularizar a situação. Apesar de a ilegalidade ser passível de multa, o diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel, afirma que a intenção principal é achar soluções para o setor. “Este é um ponto de partida para uma série de medidas e discussões com a indústria”, disse.
O vice-presidente da Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar), Claudio Monteiro, admite a existência de problemas socioambientais, mas afirma que o setor “não pode ser marginalizado”. “Empregamos, pagamos impostos. Há ações (de reparo) que têm de ser feitas sim e tanto os empresários quanto o governo estão trabalhando para acertar.” Segundo ele, a Cosipar não usa carvão ilegal. O mesmo foi dito pela Siderúrgica Marabá (Simara), por meio de sua Assessoria de Imprensa.
Ainda assim, em um domingo, a reportagem contou mais de 15 caminhões carregados que iam na direção de Marabá. Seguindo a fumaça que os fornos soltam, três carvoarias foram encontradas enquanto queimavam toras para abastecer a cidade.
Na primeira, havia mais de 80 fornos e um terreno preparado para receber pelo menos mais 15. Em média, cada forno produz 5 metros cúbicos de carvão por semana, em um processo de aquecimento e resfriamento feito artesanalmente pelos funcionários. Dois deles contaram, escondido dos colegas com medo de represália, que ganhavam R$ 300 por mês. Apesar da remuneração baixa, eles precisam comprar luvas e botas, que não são cedidas pelo dono do lugar, Edson Ferreira de Almeida, que mora no centro de Rondon do Pará. As carteiras de trabalho de ambos estavam retidas, prometidas apenas quando saíssem de lá. Os dois, que não quiseram divulgar seus nomes, vieram do Maranhão após o convite de “agentes” que buscam mão-de-obra barata e sem qualificação.
Más condições de trabalho
Em outra carvoaria, o gerente “Ciço” de Souza, conta que abastece as siderúrgicas de Marabá há cinco anos e admite que os trabalhadores - todos maranhenses - sofrem com más condições de trabalho, apesar de grupos móveis do Ministério do Trabalho visarem a região. “Dou minha cara a tapa se, depois que nossa história for divulgada, um caminhão não aparecer aqui à noite para juntar todos nós e levar embora.”
No caminho das carvoarias, diversos hectares do que antes era mata remanescente ardem. Após a retirada das árvores grandes e com valor econômico pelos madeireiros anos atrás, o que resta fica à mercê da produção ilegal do carvão. A área é primeiro queimada para limpar de cipós e animais - com freqüência, feito de forma irregular, o fogo se espalha e atinge matas vizinhas. Em seguida, entram as motosserras, que retiram praticamente todas as árvores que ainda ficaram em pé. O que sobra é terra negra e morta, sem qualquer organismo, macro ou micro, no solo.
Entre as árvores que caem estão as poucas castanheiras que sobraram da exploração madeireira. De alto valor comercial, porém ameaçada, seu corte é proibido - o que não tem impedido sua utilização como matéria-prima das carvoarias. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a indústria ilegal de carvão vegetal tem empregado assentados, inclusive crianças, em trabalho escravo, que se endividam quando aceitam material para a construção de fornos de atravessadores. “Este é um processo violento de aliciamento”, diz o advogado do CPT José Batista.
Cristina Amorim, enviada especial
Estadão
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