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Renato Rosenberg, diretor de concessões do Serviço Florestal Brasileiro, diz que BNDES, BID e IFC farão editais
O governo federal se prepara para colocar na rua um grande programa de concessão para reflorestamento de áreas degradadas da União na Amazônia.
Uma das principais soluções para combater o aquecimento global, o reflorestamento no Brasil sempre foi coisa realizada em pequenas áreas ou com pouca variedade de espécies.
Mas nos últimos tempos o setor privado tem se articulado para escalar a atividade, e as concessões de áreas públicas são aguardadas com ansiedade por empresas desenvolvedoras de projetos de restauração e investidores atraídos pela potencial valorização dos créditos de remoção de carbono.
“A nossa meta de concessão de recuperação de florestas é fazer 100 mil hectares nos próximos três anos”, diz Renato Rosenberg, diretor de concessões do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), do Ministério do Meio Ambiente.
A área equivale a aproximadamente 100 mil campos de futebol. A União tem muito mais do que isso em terras que foram desmatadas na região amazônica, mas Rosenberg explica que o objetivo é começar por parques e florestas nacionais, que não são alvo dos conhecidos problemas fundiários da região amazônica, para testar o modelo e depois expandir o programa.
Para ter uma ideia do que o plano inicial representa em termos de investimentos, a Mombak, uma das empresas nascentes do segmento de reflorestamento, acaba de captar um fundo de US$ 100 milhões e sua estimativa é que esses recursos sejam suficientes para fazer o restauro de 10 mil hectares.
Os planos de outras empresas recém-criadas para escalar a geração de créditos de carbono via reflorestamento são ainda mais ambiciosos. A re.green tem meta de reflorestar 1 milhão de hectares na Amazônia e na Mata Atlântica. A Biomas, criada por Santander, Itaú, Suzano, Vale, Marfrig e Rabobank, fala em regenerar 2 milhões de hectares nestes dois biomas e também no Cerrado.
Para todas elas, duas questões cruciais são o acesso a terras que estejam livres de conflitos e preços que façam sentido econômico. Daí o grande interesse pelas concessões de áreas públicas.
Na entrevista a seguir, Renato Rosenberg detalha os planos do governo federal.
O governo está trabalhando num programa de concessões de áreas federais degradadas para reflorestamento e geração de créditos de carbono na Amazônia. Em que estágio está isso?
Para as concessões de recuperação florestal, estamos firmando uma cooperação técnica entre o Serviço Florestal e o ICMBio, que é o proprietário das áreas, para identificar e priorizar quais vão ser as áreas concedidas. Quais tipos de unidades de conservação entrarão no programa e, depois, quais as áreas específicas nas quais vamos começar os projetos piloto de recuperação.
Queremos começar por unidades de conservação porque isso mitiga alguns riscos, entre eles a questão do custo de aquisição da terra e também o risco fundiário, de regulação fundiária. Se a área concedida estiver dentro da unidade de conservação, o parceiro privado fica mais seguro de fazer um projeto que tenha um horizonte de 30, 40 anos.
Lembrando que não é uma privatização, é uma concessão da área por determinado período. A titularidade continua sendo do poder público; e o [agente] privado passa a ter o direito de explorar um serviço específico. Se for dentro de um parque nacional, por exemplo, a gente entende que a principal fonte de receita seria carbono.
Se for dentro de uma floresta nacional, por exemplo, que é uma unidade de conservação de uso sustentável, a gente pode pensar em outros modelos, outros sistemas que gerem renda, como um SAF [sistema agroflorestal] ou a silvicultura de espécies nativas. Mas isso tudo ainda precisa ser discutido. Estamos começando a conversa.
Como tudo isso traz uma complexidade adicional, queremos começar pelo que é mais simples: se conseguirmos chegar num modelo que se sustente só com geração de créditos de carbono em parques nacionais, será maravilhoso.
E se sustenta?
Essa é a grande questão. Depende muito da projeção do preço de carbono do parceiro privado. Depende muito do quanto ele entende que consegue gerar de ganho de eficiência e redução de custos.
O mercado de carbono não é um mercado de commodity, certo? Cada crédito tem características muito específicas e com intervalos de preços muito grandes. Significa que o concessionário pode conseguir um cliente, um comprador desse crédito, na Europa, nos Estados Unidos, que esteja disposto a pagar por um crédito que seria super premium. Porque estamos falando de restauração, de Amazônia, estamos falando de parque nacional. Mas fazer essa prospecção é um papel dos participantes da licitação.
Qual o potencial de áreas federais para concessão de reflorestamento?
A maior parte do potencial para geração de créditos de carbono, cerca de 80%, fica em terras não destinadas. Mas essas áreas são as que não queremos trabalhar no primeiro momento por causa do problema fundiário.
De áreas em unidades de conservação federais, portanto já destinadas, o ICMBio fala em 1,3 milhão de hectares de áreas degradadas. Só que nem tudo isso é elegível. O BNDES, que está trabalhando na modelagem, contratou a consultoria da Biofílica para fazer essa análise, a consultoria entregou os primeiros dados e estamos discutindo com o ICMBio.
Primeiro queremos testar o modelo nas unidades de proteção integral [parques] ou nas flonas [florestas nacionais].
E quando se fala em áreas elegíveis para geração de crédito de carbono seria segundo qual critério?
Segundo a Verra, que é o principal padrão hoje. Eles têm um critério bem razoável, segundo o qual a área não pode ter sido desmatada nos últimos 10 anos. A Biofílica está analisando as áreas degradadas e vendo quais já estavam assim há mais de 10 anos.
Para ser elegível o desmate tem que ter acontecido há dez anos ou mais? Por quê?
Para evitar um incentivo perverso…
De incentivar o desmate porque a área será valorizada?
Isso.
E qual o tamanho da área, afinal, que vocês pretendem conceder para gestão da iniciativa privada?
A nossa meta de concessão de recuperação de florestas é fazer 100 mil hectares nos próximos três anos.
Já conversamos com vários players e todo mundo critica o fato de a cadeia de restauração ter movimentos por espasmos. Quando tem algum incentivo, a cadeia se forma, mas depois de dois a três anos esse incentivo se retrai e a cadeia quebra. Nós achamos que as concessões vão criar um horizonte de demanda e induzir a cadeia de fornecimento a se organizar.
O agente privado não vai ter que restaurar tudo no primeiro ano, ele vai ter um cronograma que vamos modelar. Supondo que seja de cinco a dez anos o prazo para ele recuperar toda a área, já é uma informação preciosa que cria certezas para todo o setor.
Em que fase o governo está agora desse programa de 100 mil hectares?
Depois de selecionar com o ICMBio as áreas específicas, vamos fechar a parceria com o estruturador do projeto, para fazer os contratos e o edital. O BNDES está confirmado e também devem entrar o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] e a IFC [International Finance Corporation, ligada ao Banco Mundial].
E qual o cronograma?
Mais dois meses para contratar o BNDES e os demais estruturadores, mais oito meses para estruturar e publicar o edital e mais cerca de 100 dias para os interessados apresentarem propostas. Estamos falando em assinar os primeiros contratos daqui a um ano, um pouco mais que isso.
Esses 100 mil hectares serão concedidos de forma fatiada?
Exato. Quando chegarmos num modelo, isso vai virar uma linha de processos. Conseguiremos agilizar os estudos e publicar os editais bem mais rapidamente.
A concessão é atrativa para as empresas privadas que estão se estruturando para reflorestar em grande escala também por causa do custo da terra, não é?
Sim, mas haverá pagamento de outorga e, em processos competitivos, com participação de várias empresas interessadas, as coisas tendem a se equilibrar de alguma maneira [o valor ofertado pela outorga tende a guardar relação com o custo da terra].
Mas aqui é importante dizer que o objetivo do governo com essas concessões não é arrecadatório. Nosso maior interesse é a recuperação das áreas. Vamos modelar o edital com isso em vista. Tem vários mecanismos econômicos para equilibrar o fluxo de caixa dos projetos que precisam ser discutidos com mais profundidade.
E o outro ponto é que, além da recuperação das áreas, as concessões têm um potencial enorme de geração de emprego e renda para a comunidade local. A restauração é intensiva em mão-de-obra. Sem falar que os todos nossos contratos irão prever que uma parte da receita da concessionária tem que ser investida em projetos socioambientais na comunidade local.
Haverá regras para a qualidade do reflorestamento?
Claro. As regras vão ser do ICMBio e estarão definidas no edital para o setor privado poder precificar.
E quanto às áreas não destinadas, que têm o maior potencial, qual o processo?
Quem cuida desse tema é o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Eles criaram uma câmara técnica de destinação, e o Serviço Florestal faz parte dela, onde serão discutidos os potenciais.
É um tema super interessante, porque a maior parte do desmatamento no Brasil está nessas áreas. São 60 milhões de hectares de terras federais não destinadas.
Vamos fazer agora a primeira concessão de manejo florestal de espécies nativas em área da União que não foi destinada; não é uma unidade de conservação e nem terra indígena. Acabou de ser aprovado pelo TCU. São 844 mil hectares no Estado do Amazonas, divididos em três áreas: Jatuarana, Castanho e Pau Rosa. O BNDES fez a estruturação. Na área de concessão de manejo sustentável, a meta é conceder um total de 5 milhões de hectares, quase tudo na Amazônia.
Vanessa Adachi
Fonte: https://capitalreset.uol.com.br