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Estudo aponta que para cada 100 árvores derrubadas, outras 22 perecem por falta de água, mesmo longe da área desmatada
A queda no desmate da Amazônia gera certo alívio, mas sua degradação ainda não foi enfrentada como deveria. Isso amplia impactos como a seca e pode colapsar o bioma. Os prejuízos ultrapassam os limites da floresta equatorial, grande fonte de chuvas na América do Sul.
Os alertas para derrubadas na Amazônia caíram 33,6% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo prazo de 2022. Os números são do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Trata-se de uma calmaria após recordes simultâneos de destruição florestal no governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro. Mas uma ameaça persiste em meio ao freio nas motosserras: a deterioração da Amazônia por fogo, corte seletivo de árvores, garimpo e estradas ilegais.
Esses prejuízos soam menos danosos do que o corte raso, mas seus verdadeiros efeitos colaterais começam a ganhar mais luz. Para cada 100 árvores amazônicas desmatadas, a degradação mata em média outras 22 por falta de água. E isso ocorre mesmo longe da área desmatada.
A preocupante conclusão é de uma análise do Climate Policy Initiative, centro internacional ligado no Brasil à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio). O balanço pesou cenários de maior e menor gravidade nas próximas três décadas para a Amazônia.
“Desmatar uma área reduz a umidade que é lançada pelas árvores e carregada pelos ventos, gerando menos chuvas em outras áreas da floresta”, explica Juliano Assunção, diretor-executivo da CPI/PUC-Rio. “Num efeito dominó, novas áreas começam a degradar”, alerta o cientista.
Ou seja, derrubar a floresta enfraquece os Rios Voadores, as grandes massas de umidade que nascem na Amazônia e, de carona em ventos que sopram do Atlântico, garantem chuvas no bioma, no Brasil e em países vizinhos. Um fenômeno indispensável para ambientes naturais, pessoas e produção.
“O trabalho conecta desmatamento e degradação da floresta amazônica de maneira não óbvia. Nem sempre a degradação de hoje é o corte raso de amanhã”, destaca Assunção, também um dos coordenadores do projeto Amazônia 2030.
Sinais do colapso
Diante das estimativas da CPI/PUC-Rio e dos cerca de 20% já desmatados da Amazônia, outros 13% da floresta deverão ser degradados até 2050. Isso acontecerá mesmo com o fim das derrubadas, como pedem pesquisadores, ongs e projetos de lei no Congresso Nacional.
“E se o desmatamento continuar até o limiar de 40% da floresta, haverá mais 20% de degradação da floresta nos próximos 30 anos”, destaca Rafael Araujo, analista sênior do CPI/PUC-Rio, em nota da entidade a ((o))eco. Isso reforça as ameaças da degradação à saúde da floresta e ao clima global.
Sob efeito do desmatamento e da degradação, regiões da Amazônia sul-americana e no Brasil já perderam a capacidade de se recuperar dos impactos e passam a emitir mais do que captar Carbono, um gás que amplia o efeito-estufa e aumenta a temperatura média do planeta.
A CPI/PUC-Rio avaliou que o desmate da Bacia do Rio Xingu, distribuída no Cerrado e Amazônia, pode reduzir de 8% a 15% as chuvas no Mato Grosso. O estado é um polo nacional do agronegócio, tem mais de 3,2 milhões de habitantes e 8 usinas hidrelétricas.
Uma investigação editada na Nature, em julho, revela que árvores no oeste e no sul da Amazônia são menos resistentes a longas secas. Já um estudo publicado em janeiro na Science descreve que 38% da Bacia Amazônica foi degradada e que a seca atinge 41% do restante da floresta.
Veiculado na Reviews of Geophysics, em outubro de 2021, uma análise de duas dezenas de cientistas pesou 30 anos de monitoramento satelital e concluiu que a crise do clima provocará mais chuvas e inundações no norte amazônico e secas mais severas ao sul da região.
Enquanto isso, balanços científicos indicam que a degradação gerou quase 70% das emissões mundiais de Carbono de florestas tropicais, de 2003 a 2014. O desmate respondeu pelos demais 30%. Mas esse tipo de análise não pesa nos inventários brasileiros de emissões de gases-estufa.
“As emissões nacionais líquidas [perdas menos absorção] por mudanças no uso da terra seriam 21% maiores se os incêndios na Amazônia forem incluídos na conta”, lembra Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
O índice inclui a eliminação inicial de árvores pelo fogo e as emissões das que morrem depois, feridas pelas chamas ou afetadas pela seca. Uma conta que não consta nem nos balanços do IPCC, órgão das Nações Unidas que avalia cientificamente o avanço global da crise climática.
“Países com florestas adaptadas ao fogo, como Estados Unidos, Canadá e Rússia, pressionaram para que isso não fosse incluído”, conta Ane Alencar. “Mas nas florestas tropicais é diferente. Elas não sofrem incêndios naturalmente”, lembra a cientista.
Olhar ampliado
O estudo da CPI/PUC-Rio reforça que as derrubadas afetam além de onde foi desmatado, mas as políticas atuais não pesam tal realidade. “É preciso centrar esforços nas áreas mais importantes ao equilíbrio e à resiliência da floresta, evitando seu ponto de não-retorno”, destaca Juliano Assunção.
Essa situação irreversível, conforme pesquisadores, chegará quando a pressão de ações humanas como o desmate e a mudança do clima transformar a Amazônia numa floresta mais seca. Isso trará prejuízos sociais, econômicos e ambientais de magnitude global.
Diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar lembra que, sem combate, a degradação converterá a Amazônia num “tapete verde todo esburacado”, sem a qualidade ambiental que deve ter. “Florestas degradadas seguem emitindo [gases-estufa] e causando outros impactos”, avisa.
Ela e outros cientistas de instituições brasileiras e internacionais sugeriram em abril ao governo que enfrentar a degradação ganhasse maior espaço no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
O documento listou ações como incluir o tema nos balanços de emissões de poluentes climáticos, elencar municípios com maior degradação florestal, ampliar a vigilância por satélites, melhorar o licenciamento e fiscalização sobre uso do fogo e exploração florestal.
“As recomendações foram agregadas ‘bem de leve’ no Plano, incluindo questões sobre fogo, corte e manejo madeireiros, mas precisamos avançar muito na identificação e no controle da degradação da Amazônia”, resume a pesquisadora.
Aldem Bourscheit
Jornalista cobrindo histórias sobre Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Comunidades Indígenas e ... →
Fonte: https://oeco.org.br