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Estudos mostram que alteração do clima em todo o mundo, devido à maior concentração de poluentes na atmosfera, faz com que ocorrências sejam cada vez mais frequentes, atingindo países e continentes inteiros
As cenas de colunas gigantescas de fumaça cobrindo os céus de Nova York este ano surpreenderam o mundo pelas imagens fortes e pela situação fora do comum. A razão para o caos que tomou conta desta e várias outras cidades dos Estados Unidos como Chicago, Detroit e Boston teve origem externa, os terríveis e incontroláveis incêndios florestais no Canadá. E recentes pesquisas científicas apontam que, graças às mudanças climáticas, fenômenos como esses não só serão mais frequentes como de maior intensidade, gerando uma onda de consequências catastróficas em diversas partes do mundo.
Quando se fala de céu poluído, raramente as pessoas associam esta imagem à vibrante metrópole norte-americana ou às charmosas capitais europeias, como Paris, Viena ou Madri. No entanto, todas essas regiões estão mais propensas a sofrer com impactos climáticos gerados não só em seus próprios países mas também em regiões distantes. Os problemas, que se intensificaram a partir de abril, voltaram a trazer transtornos na última sexta-feira (14).
A fumaça que causou tamanho transtorno aos EUA, aliás, acabou chegando à Europa, em uma mostra que todas as ações de proteção ambiental deixaram de ser medidas voltadas ao benefício de um ou mais países para se transformar em uma questão totalmente globalizada.
Um estudo divulgado pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep, na sigla em inglês) mostra o impacto real da mudança climática não só no aumento de casos mas também no maior impacto que cada ocorrência gera.
Desde a segunda revolução industrial (1850-1900), o planeta experimentou uma tendência de aquecimento de longo prazo, com um aumento estimado na temperatura média global da superfície de 1,09 °C. No entanto, algumas áreas experimentaram aquecimento acima desse índice, chegando a até 1,59 °C. No Ártico, as temperaturas subiram mais de duas vezes mais rápido que a média.
“A revisão de 116 artigos escritos desde 2013 sobre mudanças climáticas e fogo concluiu que há um forte consenso de que a mudança climática está aumentando a probabilidade de ocorrência de incêndios em muitas regiões”, aponta o estudo.
“Os impactos diretos das mudanças climáticas no comportamento do fogo são já aparentes (…) e são os condutores dominantes de mudança de regime de fogo em grande parte do mundo, em florestas tropicais e boreais”, aponta o relatório, destacando que as condições ampliam o potencial de provocar incêndios “sem controle e por períodos prolongados”.
“Esses impactos incluem mudanças nos padrões climáticos predominantes durante a temporada de incêndios, resultando em períodos de chuvas reduzidas e umidade relativa do ar, temperaturas extremas do ar e um aumento em ventos fortes”.
A pesquisa da Unep deixa claro a cadeia que acontecimentos que resulta em situações dramáticas como a coluna de fumaça no nordeste dos Estados Unidos — que fez com que Nova York registrasse a pior qualidade do ar do mundo por um dia: emissão de poluentes resultado no aquecimento da atmosfera, que resulta em desregulamento climático, com secas mais intensas e duradouras e, consequentemente, incêndios descontrolados.
“O aquecimento aumentou a frequência e a magnitude das condições meteorológicas extremas que impulsionam a ocorrência e propagação de incêndios florestais, (atingindo) vegetação que normalmente não queimaria em combustão (por exemplo, florestas tropicais, permafrost e pântanos de turfa)”, aponta o levantamento.]
O estudo traz ainda informes detalhados sobre a dinâmica: “Efeitos diretos sobre o clima do fogo através da seca, maiores temperaturas e mudanças na força e sazonalidade do vento (…); mudanças na frequência e localização de ignições naturais e causadas pelo homem por meio de mudanças nos perfis de raios secos.”
Impacto globalizado
As consequências dos incêndios no Canadá foram visivelmente pesadas para os Estados Unidos. Para a Europa, os efeitos não são tão impactantes visualmente, mas igualmente perigosos. Ao atravessar o Oceano Atlântico rumo ao continente europeu, a coluna de fumaça se dispersou, mas os elementos nocivos à saúde não foram bloqueados. “A intensidade e os efeitos da fumaça ainda podem ser significativos. É importante considerar que a fumaça contém partículas finas e poluentes nocivos, que podem afetar a qualidade do ar e a saúde humana e dos pets, mesmo em menor intensidade”, explica o Bruno Mena Cadorin, doutor em Química e CEO da empresa WIER.
Ele aponta que, entre os elementos contidos na fumaça e que podem resultar em danos à saúde, estão compostos químicos tóxicos como monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre, entre outros e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Esses poluentes atmosféricos podem ter efeitos adversos na saúde humana e animal, causando danos aos pulmões, irritação dos olhos e do sistema respiratório, além de contribuir para o aquecimento global e a poluição do ar. É fundamental evitar a exposição a esses elementos nocivos durante um incêndio florestal, tanto para si, quanto para os pets.
Cadorin lembra ainda os impactos prolongados para o ecossistema, prejudicando radicalmente o bem-estar de pessoas e animais. “A perda de habitat também afeta a biodiversidade, diminuindo a variedade de espécies presentes na região. Em suma, incêndios florestais representam, sim, uma ameaça grave para os seres vivos e para a saúde dos ecossistemas”.
A interligação entre os incêndios no Canadá e seus efeitos nocivos em outros países vêm sendo apontado há tempos por ambientalistas. Um dos pontos sempre citados é que a maior parte das florestas atingidas pelos incêndios são frutos de reflorestamento e que esses biomas artificiais são mais suscetíveis ao fogo.
“Elas geram maior impacto quando atingidas (pelo fogo). Aliás, elas são mais sujeitas a incêndios”, explica Roberto Gonzalez, ambientalista e consultor de governança corporativa e ESG.
Ele também destaca os danos provocados pelos incêndios ao solo e a água. “As florestas demoram mais para se recuperar, rebrotar e absorver o próprio gás carbônico, ampliando um problema climático no mundo”.
Marcus Nakagawa, professor e coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental, também frisa o círculo vicioso causado pelo aquecimento global e suas consequências, que acabam amplificando a crise climática.
“O impacto ambiental de qualquer incêndio, não só em âmbito local, é a questão da emissão de carbono, que acaba trazendo a emergência climática. Isso acaba aumentando as emissões do país.”
Ele reforça a necessidade de discussões transnacionais para a criação de regras ambientais mais rígidas. “É necessário criar políticas públicas baseadas em todos os acordos que já estão sendo feitos, para que a gente possa evoluir mais dentro do sistema de governança desses países”.
Problema econômico
Os problemas econômicos causados pela nuvem de fumaça nos Estados Unidos não foram desprezíveis. Várias atividades tiveram de ser interrompidas, causando impacto na rotina e na dinâmica de várias cidades, especialmente no Meio Oeste e na região nordeste.
A cadeia logística também sofreu com a ação das nuvens de fumaça. As operações de última etapa, em que encomendas são entregues aos destinatários finais, registraram queda de desempenho acentuada em cidades como Nova York e na Filadélfia.
Em Nova York, por exemplo, o índice de pontualidade das entregas teve um recuo de 84% para 70% entre os dias 12 e 13 de junho, de acordo com dados da project44, provedora de tecnologias de visibilidade para a cadeia de suprimentos.
Semana após o momento mais crítico, os índices voltaram a superar os 80%, considerados bons. “Há, contudo, o temor de que uma nova queda no desempenho seja identificada nos próximos dias, a exemplo do que se verificou anteriormente”, comenta Pierre Jacquin, vice-presidente para a América Latina na project44.
A pontualidade dos transportes de cargas por caminhões no nordeste americano apresentou uma leve queda ao longo de junho, mas se mantém em um índice considerado satisfatório, de 75%. “A fumaça de grandes incêndios traz uma preocupação óbvia com o modal aéreo, mas o transporte de cargas por aviões é predominantemente feito para atender a emergências. O transporte rodoviário, no entanto, é o que mais tende a ser prejudicado. Como os caminhões geralmente percorrem distâncias maiores, eles são mais suscetíveis a desacelerações relacionadas ao clima”, afirma Jacquin.
Cuidados com a saúde
O grande problema para a população atingida pela fumaça é a ação prolongada dos agentes nocivos. No caso dos Estados Unidos, as grandes colunas de fumaças permaneceram nas cidades por vários dias. Em outros países, o problema é similar e já se fala nos riscos a que os brasileiros podem estar expostos nas próximas semanas, com a intensificação das secas.
“Esses problemas respiratórios serão mais graves quanto mais prolongado for o tempo de exposição a fumaça e quanto maior for a intensidade, a concentração e toxicidade da composição de fumaça inalada”, explica Luis Carlos Losso, pneumologista do Hospital Edmundo Vasconcelos. “A inalação pode produzir vários efeitos nos pulmões como irritação das vias aéreas, inflamação pulmonar, infecções respiratórias e o agravamento de condições pulmonares pré-existentes.”
Ele recomenda a procura por assistência médica assim que registrar sintomas como dificuldade para respirar e tosse mais intensa.
Caroline Reigada, nefrologista e especialista em Medicina Interna pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, destaca os riscos da exposição da fumaça para as crianças. “Elas apresentam capacidade reduzida de expectorar e seu filtro nasal é menos eficiente. Além disso, contam com maior volume corrente por peso corpóreo (que é o volume de ar que entra em sai dos pulmões), gerando maior acúmulo destas substâncias nos seus pulmões”.
As consequências do contato com materiais tóxicos inalados podem durar a vida toda, já que os pulmões terminam de se desenvolver apenas aos 20 anos.
A médica ainda destaca que a exposição prolongada pode aumentar as chances de adquirir câncer.
“Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAC) são altamente cancerígenos e podem causar tumores cerebrais e pulmonares, com acréscimo de 10% a mais de risco deste câncer, em comparação à população geral”. Além disso, a longo prazo, as pessoas que vivem ao redor de áreas florestais tendem a ter outros transtornos. “Mais doenças mentais, como o transtorno de estresse pós-traumático a depressão e a insônia, devido à perda de suas propriedades e necessidade de deslocamento urgente”, explica.
Fonte: Fábio Mendesda CNN