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Notícias

10
jul
2023
(GERAL)
Uma oportunidade para revitalizar a cadeia da borracha extrativista na Amazônia

Diante da expectativa de aumentar a produção de látex para atender a demanda da borracha, abre-se a oportunidade para fortalecer o extrativismo por meio da bioecononia

Pneus, luvas, elásticos, material hospitalar, solas de calçados. Todos esses produtos carregam uma matéria-prima em comum: a borracha natural. O material, produzido a partir do látex da seringueira, uma árvore típica da Amazônia, tem uma demanda global superior a 14 milhões de toneladas por ano, segundo a Associação Nacional dos Países Produtores de Borracha.

O Brasil já foi o principal exportador do produto no mundo. O auge se deu na virada do século XIX para o século XX. Foi a riqueza gerada naquele período, conhecido como Ciclos da Borracha, que fez cidades como Manaus e Belém, na região Norte, figurarem entre as maiores do país à época.

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Mas, com a domesticação da seringueira, países do sudeste asiático investiram em grandes áreas cultivadas e passaram a dominar o mercado. Entre os principais exportadores do mundo atualmente estão Tailândia, Indonésia e Vietnã.

O Brasil produz anualmente 259 mil toneladas de borracha, proveniente principalmente de áreas plantadas no Sudeste. Esse volume tem o potencial de atender apenas metade da demanda brasileira e pouco mais de 1,5% da demanda mundial, de acordo com a Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha, em 2022.

Diante da expectativa de aumentar a produção para atender a essa demanda, representantes de produtores e da indústria da borracha têm se organizado para solicitar estímulo do poder público. Em maio, diversas lideranças do setor se reuniram com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.

A oportunidade não se restringe, no entanto, aos produtores de áreas plantadas. Embora em quantidade menor (840 toneladas em 2022), a atividade extrativista nos seringais da Amazônia se manteve ao longo dos anos, mesmo com poucos incentivos, e a demanda por parte das empresas por esse tipo de borracha vem aumentando em função da vantagem de ser um produto diferenciado, com atributos socioambientais.

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Borracha e bioeconomia

A borracha natural extrativista da Amazônia, produzida a partir de seringais nativos em áreas de floresta conservada, é um típico produto da bioeconomia, decorrente do uso e da valorização da sociobiodiversidade regional. O trabalho de extração do látex das seringueiras, realizado por populações tradicionais da Amazônia, depende diretamente do conhecimento tradicional desses povos e da manutenção da floresta em pé para existir.

Portanto, a borracha amazônica carrega atributos ambientais e sociais únicos por manter a floresta em pé, colaborar para o atendimento das metas climáticas do país, desempenhar um papel relevante na regulação do regime de chuvas, além do potencial de promover a geração de renda e valorização das populações tradicionais verdadeiros guardiões da floresta.

Há atualmente alguns casos de parcerias comerciais diferenciadas entre organizações extrativistas na Amazônia e empresas do setor (pneus e calçados, por exemplo) interessadas em borracha extrativista da Amazônia com atributos socioambientais. O interesse crescente do setor e os resultados obtidos, com ganhos para ambos os lados, indicam caminhos a seguir para impulsionar a atividade no Brasil.

Aproveitando o interesse do setor, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) organizou no mês de maio, em parceria com a WWF-Brasil, um encontro multissetorial em Rondônia que reuniu representantes de diferentes empresas consumidoras de borracha extrativista, cooperativas e associações de extrativistas, movimentos sociais, ONGs, além de representantes de ministérios e do governo do estado.

O evento que discutiu caminhos para alavancar e impulsionar a cadeia, resultou em um compromisso das empresas presentes na compra de 1700 toneladas de borracha extrativista da Amazônia para a próxima safra, volume que representa o dobro do que foi produzido no ano passado, reforçando o interesse e disposição do mercado. Além disso, no evento, foi construído um conjunto de diretrizes e ações necessárias para impulsionar a retomada da produção na Amazônia.

Caminhos para a bioeconomia

Uma das ações citadas no documento é a necessidade de crédito e financiamento específico para a produção, que viabilizaria a abertura e revitalização de novos seringais, a criação de capital de giro para compra antecipada da produção, compra de equipamentos para coleta e abertura de novos seringais, além do fortalecimento das organizações comunitárias, associações e cooperativas. Duas soluções foram apresentadas como alternativas: o acesso diferenciado ao crédito rural por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e a criação de linhas de crédito específicas para o extrativismo.

Duas ações consideradas fundamentais são a revisão dos valores praticados por meio da Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) e a criação de instrumentos para pagamentos pelos serviços socioambientais. Esses instrumentos são necessários para assegurar o pagamento de preço justo aos extrativistas, bem como remunerá-los pelos serviços ecossistêmicos prestados por essas populações.

Outras ações aparecem no documento, como a importância de se combater o desmatamento na floresta amazônica, com a retomada das ações de fiscalização por agentes ambientais, abandonadas no governo anterior. Também a criação de incentivos fiscais, estímulo ao uso de borracha extrativista da Amazônia pela indústria, e utilização de sistemas de rastreabilidade para a borracha, o que daria segurança para atores do mercado que procuram produtos com garantias e atributos socioambientais agregados.

Em um país megadiverso e ansioso por novos modelos de desenvolvimento para a Amazônia, é fundamental se criar incentivos e as condições necessárias para impulsionar a cadeia da borracha extrativista, que é contemporânea, uma vez que responde as principais aspirações da sociedade de um modelo de economia da floresta em pé que gere conservação ambiental, crescimento econômico e desenvolvimento local sustentável para as pessoas que vivem na floresta e da floresta.

*O artigo é assinado entre Marina Piatto, diretora executiva do Imaflora, Patrícia Cota Gomes, diretora executiva adjunta do Imaflora e Luiz Brasi, coordenador da Rede Origens Brasil® no Imaflora.

Fonte: exame.com

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