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Inimiga do clima ou aliada? Dados sugerem que espécie exótica favorece o desenvolvimento de florestas nativas e colabora para recuperação da biodiversidade
Se você já viajou de carro pelas estradas do Brasil provavelmente já se deparou com extensas plantações de eucalipto, que se alinham ordeiramente como gigantescos soldados enfileirados. Você provavelmente também já ouviu a expressão “deserto verde” para designar esse tipo de cultura, que parece floresta, mas na verdade não oferece a mesma diversidade. As acusações contra as florestas de eucalipto e pinus, plantadas exclusivamente para a produção de madeira e celulose, costumavam ser longas, e algumas reverberam até hoje. Se, por um lado, plantios florestais comerciais têm sido apontados como “desertos verdes”, por outro, há estudos que defendem o potencial regenerador destas espécies. Seriam elas, afinal, inimigas ou aliadas da natureza?
Dentre os males listados estariam a desertificação, a erosão do solo, a eliminação da biodiversidade e a expulsão de comunidades tradicionais. Mas há quem defenda que o manejo sustentável pode ser um aliado na renda de pequenos produtores e assentados e que as florestas comerciais podem catalisar a regeneração natural de áreas devastadas, contribuindo para o restabelecimento de florestas nativas e para a conservação da biodiversidade.
Um compilado feito pelo pesquisador Carlos Cesar Ronquim, da Embrapa Territorial de Campinas, demonstrou que a recuperação de terras degradadas é favorecida pela introdução de espécies exóticas de rápido crescimento, sobretudo o eucalipto. O pesquisador listou 1.136 espécies de árvores e arbustos nativos encontrados em sub-bosques de eucaliptos e pinus. Entre as espécies estavam algumas ameaçadas de extinção, como a araucária, a imbuia, o pau-brasil e o palmito-juçara. Havia outras com alto valor comercial, como cedro, cerejeira, copaíba, jatobá, jequitibá e peroba rosa. Isso leva a crer que as plantações exóticas não impedem o crescimento de árvores nativas e podem ser aliadas na implantação do Código Florestal Brasileiro. ajudando na restauração de áreas de Reserva Legal.
Os resultados que associam o enriquecimento da biodiversidade num ambiente de florestas plantadas não são homogêneos. Fatores históricos e ambientais, como a densidade das copas, a disponibilidade de luz para o desenvolvimento de sub-bosques, a idade do plantio, as espécies florestais plantadas, o histórico de utilização da área e outros agentes naturalmente influenciam na riqueza, diversidade e configuração das áreas de regeneração. No entanto, ao longo de décadas, estudos vêm reforçando as vantagens de se introduzir árvores exóticas em áreas degradadas.
Isso acontece porque esse tipo de cultura, quando comparada a outras monoculturas, tem rápido crescimento e capacidade de sombreamento, favorecendo o desenvolvimento de sub-bosques, o que elimina ou diminui a competição de gramíneas invasoras. Além disso, pelas características de ciclo longo, o uso de pesticidas e outros produtos químicos podem ser menos intensos, tornando esse tipo de ambiente mais permeável pela flora e fauna.
Ronquim salienta os aspectos positivos dessa relação. Para ele, além dos pontos destacados, as plantações exóticas oferecem um habitat para os dispersores de sementes culminando na recolonização natural das espécies nativas. Assim, as árvores exóticas desempenhariam o mesmo papel de espécies pioneiras, encurtando o período necessário para o desenvolvimento de espécies secundárias mais complexas.
Outra vantagem seria o potencial comercial das espécies exóticas, que poderia ser um estímulo adicional para produtores rurais. Reflorestamentos com espécies nativas geralmente envolvem custos altos, que pequenos produtores e produtores familiares não têm condições de pagar. Assim, o cultivo de eucaliptos serviriam de base para um modelo destinado à conversão de áreas arrasadas em florestas nativas. “O eucalipto, por não ser uma espécie invasora, é ótimo para esse fim. Ele pode se tornar um aliado da restauração florestal porque tem um potencial comercial alto, podendo custear uma parte ou mesmo toda a operação de recuperação e, até mesmo, dar lucro para uma atividade que muitos proprietários consideram despesa”, diz.
Atualmente, o setor florestal brasileiro destinado à produção de madeira e celulose tem a maior produtividade média global, plantando mais de um milhão de árvores por dia, o que resulta em 35 m³ por hectare ao ano, e uma receita robusta de R$ 116 bilhões. A produção ocupa o terceiro lugar no ranking de investimentos anunciados, com R$ 58,8 bilhões até 2028, atrás apenas dos setores petrolífero e de saneamento.
Muitas empresas desse setor adotam um sistema de florestas mescladas, também chamados mosaicos florestais, que interligam matas nativas com corredores ecológicos de espécies exóticas. São 9,55 milhões de hectares de árvores cultivadas rodeadas por 6 milhões de hectares de mata conservada. Estima-se que os mosaicos florestais estoquem 4,5 bilhões de toneladas de carbono anuais. Será que os desertos verdes, antes inimigos do clima e da biodiversidade, se tornaram, no fim das contas, aliados?
Por Marilia Monitchele
Fonte: Veja