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Notícias

21
dez
2022
(GERAL)
Código Florestal: Produtores declararam 42 milhões de ha de terras

Código Florestal: Produtores declararam 42 milhões de hectares de terras indígenas, quilombolas e florestas, aponta plataforma

Tamanho das áreas equivale à soma dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná; em 10 anos, poder público validou apenas 0,5% dos cadastros

Dez anos após a publicação do Novo Código Florestal, o Brasil tem hoje 6,7 milhões de imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O alto volume, porém, contrasta com o pouco controle do poder público sobre as informações declaradas por produtores. Lançado nesta sexta-feira (16), o Termômetro do Código Florestal, iniciativa do observatório que acompanha a aplicação da lei, identificou que 42 milhões de hectares dos imóveis têm sobreposição com territórios protegidos: unidades de conservação, terras indígenas, florestas públicas, áreas quilombolas e assentamentos. De todos os CARs, apenas 23,8% passou por alguma análise, e somente 0,5% foi validado.

— O tamanho dessa área declarada em terras protegidas causa um impacto muito negativo. São produtores que têm acesso a créditos para financiar a produção agrícola mesmo em locais proibidos — explica Roberta Del Giudice, secretária executiva do Observatório do Código Florestal. — Há imóveis registrados de forma equivocada, por causa de problemas em cartórios. Mas a maior parte dos casos é de proprietários querendo fazer grilagem. Nos últimos quatro anos tivemos muitos discursos que viabilizavam a tentativa de regularizar propriedades dentro de áreas protegidas.

A validação pelo poder público dos CARs, que são registrados por autodeclaração, é um passo obrigatório para que o terreno seja inserido no Programa de Recuperação Ambiental (PRA), instrumento criado pelo Código Florestal para a restauração da vegetação perdida no passado. Em 2012, a lei anistiou desmatamentos, mesmo irregulares, causados até 2008, suspendendo multas referentes a cerca de 40 milhões de hectares destruídos. Foram estabelecidas, então, regras para que o proprietário compensasse o déficit, o que ajudaria o país a bater a meta, firmada no Acordo de Paris, de recuperação de 12 milhões de hectares de áreas degradadas.

Mas, com a análise dos cadastros estagnada, o efeito positivo da lei não é posto em prática. E com o pouco controle, crescem as autodeclarações em territórios proibidos. Vale destacar que, desde 2014, ou seja, pouco tempo após a nova legislação, o desmatamento na Amazônia voltou a ter um crescimento de alta, interrompendo o período anterior de redução.

O Termômetro do Código Florestal reuniu especialistas de diversos institutos e, através do cruzamento de dados oficiais e imagens de satélite, conseguiu mapear os perímetros das milhões de propriedades declaradas no país. Entre os 42,2 milhões de hectares de áreas sobrepostas, 25,4 milhões de hectares de terras cadastradas como imóveis rurais privados estão em unidades de conservação, terras indígenas e florestas públicas. Outros 16,8 milhões de hectares estão sobre territórios quilombolas e assentamentos demarcados pelo INCRA, o que evidencia existência de regiões vulneráveis a conflitos de terra e violência no campo.

Com os territórios em sobreposição mapeados, é possível identificar as áreas mais pressionadas, e que deveriam ser priorizadas na análise dos CARs, explica Del Giudice, em especial no Pará e no Acre.

— Quando analisamos dados no Termômetro, a gente percebe que é possível priorizar áreas na implementação do Código Florestal, identificando onde os déficits e as pressões estão mais concentrados. Claro que é um trabalho hercúleo validar mais de 6 milhões de cadastros no Brasil inteiro, mas podemos estabelecer, com esse levantamento de informações, o que é mais emergencial como política pública.

O Observatório do Código Florestal entregou ao governo de transição um documento com cinco iniciativas para tornar mais célere a implementação do Código Florestal. Uma das principais demandas é que as ações de proteção da vegetação em imóveis rurais e assentamentos migrem do Ministério da Agricultura, como ocorre hoje, para o Ministério do Meio Ambiente.

Além disso, há iniciativas de institutos e universidades para promover um sistema mais ágil de validação, como o CAR 2.0, desenvolvido pela UFMG, liderado pelo pesquisador Raoni Rajão. Pela lei, a análise deve ser feita prioritariamente pelos governos estaduais, mas o governo federal também é responsável pelo sistema, e nos últimos anos vem prometendo ações nesse sentido.

— Nós conseguimos identificar que na Mata Atlântica, por exemplo, 80% dos imóveis declarados cumprem com as regras do código, então poderiam passar por uma validação automática, e o governo priorizaria a análise dos outros cadastros. Mas sem a devida análise, não temos noção do tamanho do déficit e perdemos oportunidade de acelerar uma economia de restauração florestal, além de produtores não conseguirem acessar parte dos mercados internacionais de commodities, por falta de ações sustentáveis — complementou Roberta Del Giudice.

Cadastros de comunidades tradicionais patinam

Além do que já foi identificado pelo Termômetro, a sobreposição de imóveis com áreas protegidas pode ser ainda maior, já que há muitos territórios quilombolas que ainda não foram oficialmente reconhecidos pelo governo, o que dificulta o mapeamento. São terras que já podem estar sofrendo pressão de imóveis rurais, mas ainda estão invisíveis.

O Código Florestal estabeleceu que as áreas de Povos e Comunidades Tradicionais precisam também ser autodeclaradas, uma medida que ajudaria a direcionar políticas públicas além de garantir acesso a créditos para pequenos produtores em assentamentos rurais ou terras quilombolas. Esses cadastros, porém, raramente foram feitos, muito em função da falta de assistência técnica, explicou Antonio Oviedo, pesquisador do Instituto Socioambiental, que participou da formulação do Termômetro.

— Ainda há muitos territórios tradicionais sem cadastrados no sistema. Assim, aumenta o risco de um estado validar um imóvel rural que está em sobreposição a uma comunidade invisível — afirmou Oviedo durante o lançamento do Termômetro. — Muitas comunidades tradicionais vivem em regiões remotas e têm problemas tecnológicos. É importante que governos estaduais e federal deem assistência técnica.

Assentamentos rurais sofrem pressão da soja

Outro segmento que sofre pressão do agro é o dos assentamentos. Hoje, existem mais de 31 milhões de hectares de assentamentos cadastrados no Brasil: 91% na Amazônia. Mas, do total de área cadastrada, 13,7 milhões estão em sobreposição com outros imóveis rurais, o que equivale à soma dos territórios de Portugal e Holanda.

— Assentamentos rurais são áreas de extrema importância para a produção de alimentos, mas que sofrem pressão de desmatamento. A plantação de soja está entrando fortemente nos assentamentos. Precisamos urgentemente avançar na implementação do código florestal para assegurar políticas públicas de proteção — disse Jarlene Gomes, coordenadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazonia (Ipam), durante o evento de lançamento.

Procurado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não se manifestou.

Por Lucas Altino

 

Fonte: Globo

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